domingo, 27 de maio de 2012

Antero de Quental, Causas da decadência…

No dia 27 de Maio de 1871, faz hoje 141 anos, Antero de Quental pronunciou a sua conferência no Casino Lisbonense, sob o título “Causas da decadência dos povos peninsulares durante os últimos três séculos”, texto que depois viria a tornar-se sobejamente conhecido. Por sua vez, Adolfo Coelho diria mais tarde que as Conferências Democráticas tinham um programa e se destinavam a, entre outros fins, “Abrir uma tribuna, onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento do século, preocupando-nos sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos” e a “ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada”. Quanto à conferência de Antero, são estes alguns pequenos trechos:

“Tais temos sido nos últimos três séculos: sem vida, sem liberdade, sem riqueza, sem ciência, sem invenção, sem costumes. Erguemo-nos hoje a custo, espanhóis e portugueses, desse túmulo onde os nossos grandes erros nos tiveram sepultados; erguemo-nos, mas os restos da mortalha ainda nos embaraçam os passos, e pela palidez dos nossos rostos pode bem ver o mundo de que regiões lúgubres e mortais che­gamos ressuscitados! Quais as causas dessa decadência, tão visível, tão universal, e geralmente tão pouco explicada? Examinemos os fenómenos, que se deram na Península durante o decurso do século XVI, período de transição entre a Idade Média e os tempos moder­nos, e em que aparecem os germes, bons e maus, que mais tarde, desenvolvendo-se nas sociedades modernas, deram a cada qual o seu verdadeiro carácter (…)
Ora esses fenómenos capitais são três, e de três espécies: um moral, outro político, outro económico. O primeiro é a transforma­ção do catolicismo, pelo Concílio de Trento. O segundo, o estabele­cimento do absolutismo, pela ruína das liberdades locais. O terceiro, o desenvolvimento das conquistas longínquas. Estes fenómenos assim agrupados, compreendendo os três grandes aspectos da vida social, o pensamento, a política e o trabalho, indicam-nos claramente que uma profunda e universal revolução se operou, durante o sé­culo XVI, nas sociedades peninsulares. Essa revolução foi funesta, funestíssima. Se fosse necessária uma contraprova, bastava considerarmos um facto contemporâneo muito simples: esses três fenóme­nos eram exactamente o oposto dos três factos capitais, que se davam nas nações que lá fora cresciam, se moralizavam, se faziam inteli­gentes, ricas, poderosas, e tomavam a dianteira da civilização. Aqueles três factos civilizadores foram a liberdade moral, conquis­tada pela Reforma ou pela Filosofia; a elevação da classe média, ins­trumento do progresso nas sociedades modernas, e directora dos reis, até ao dia em que os destronou; a indústria, finalmente, verdadeiro fundamento do mundo actual, que veio dar às nações uma concep­ção nova do Direito, substituindo o trabalho à força, e o comércio à guerra de conquista. Ora, a liberdade moral, apelando para o exame e a consciência individual, é rigorosamente o oposto do catolicismo do Concílio de Trento, para quem a razão humana e o pensamento livre são um crime contra Deus; a classe média, impondo aos reis os seus interesses, e muitas vezes o seu espírito, é o oposto do absolu­tismo, esteado na aristocracia e só em proveito dela governando; a indústria, finalmente, é o oposto ao espírito de conquista, antipático ao trabalho e ao comércio.
Assim, enquanto as outras nações subiam, nós baixávamos.
Subiam elas pelas virtudes modernas; nós descíamos pelos vícios antigos, concentrados, levados ao sumo grau de desenvolvimento e aplicação. Baixávamos pela indústria, pela pátria. Baixávamos, sobre­tudo, pela religião. (…)”.

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