sábado, 21 de abril de 2012

25 de Abril, dia limpo...


No dia 25 de Abril de 1974, vai fazer 38 anos, o Movimento das Forças Armadas tomou o poder e devolveu aos Portugueses a Liberdade.

Porque irei estar ausente durante duas semanas, comemorando o dia com os Portugueses do Canadá, deixo-vos um poema de Miguel Torga:

“Coimbra, 16 de Junho de 1957

PROFECIA

Algum dia há-de ser um novo dia,                                                 
Se realmente o tempo se renova.
Sepulto nesta cova
De rotina,
A ver o Sol pousar sobre a colina
Em frente,
Em vez de me entregar ao sono paciente
De morrer,
Ponho-me a futurar o amanhecer.

E com toda a inquieta
Serenidade sacra de um poeta
Que descortina
A universal e própria salvação,
Vejo na imprecisão
Que a próxima alvorada
- Ou ela, ou outra, ou outra, ou outra ainda –
Dará por finda
Esta luz já monótona e cansada”.

Miguel Torga, Diário.

E se o 25 de Abril foi, enfim, “O dia inicial inteiro e limpo”, que Sophia cantou, a mensagem que quero deixar a todos, incluindo aos meus camaradas de Abril, é que tudo continuemos a fazer para que ele assim se mantenha.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

A Hora da Liberdade


Em Abril de 1974, há 38 anos, os militares que iriam derrubar o governo no dia 25 de Abril, ultimavam os preparativos para a operação militar e para a apresentação de um programa político.
Hoje, às 18h00, na Associação 25 de Abril, lançamos um livro de entrevistas a muitos desses protagonistas, A Hora da Liberdade, que é acompanhado por um filme em DVD, produzido pela SIC para comemorar os 25 anos do 25 de Abril em 1999. São autores: Joana Pontes, Rodrigo de Sousa e Castro e Aniceto Afonso.

Extracto da entrevista ao então capitão Luís Macedo:
«P. – E quanto à preparação do Posto de Comando?
Luís Macedo - Quanto à preparação do Posto de Comando, a minha preocupação foi preparar a companhia como se fosse uma companhia de Infantaria, e, ao mesmo tempo, preparar os meus camaradas oficiais da unidade, aqueles de mais confiança, para que num dia próximo, que não sabíamos ainda qual era, estivéssemos preparados para tomarmos conta da unidade. O Comandante era uma excelente pessoa. Penso que se ele tivesse sido informado do que se ia passar ia ter graves problemas de consciência, não digo que ele nos iria denunciar, mas iria ter graves problemas de consciência, de maneira que decidimos não lhe dizer nada, deixá-lo sair calmamente às 17:00 e preparar tudo entre as 17:00 e as 2:00 da manhã.
P. – E só então é que começaram essa preparação?
Luís Macedo - Tudo foi combinado. Primeiro, havia que ocupar a central telefónica da unidade, para garantir que todas as comunicações seriam censuradas por nós, e que só seria dito aquilo que nós queríamos. Em segundo lugar, preparar o Posto de Comando no local que já tinha sido escolhido - um barracão que havia no cimo do Quartel. Essa preparação consistiu basicamente em isolar o local do exterior, em relação a luzes, tapar as janelas, garantir que havia alguns telefones e secretárias, que havia mapas, que havia uma sala para metermos os tais comandantes e 2º comandantes que iam ser presos, e que havia o mínimo de apoio logístico de cafés e de alguma comida. Combinei com o Garcia dos Santos que ele se encarregaria de montar as transmissões entre as 17:00 e as 24:00, e, de facto, assim que o Comandante saiu, eram umas 17:00, nós ocupámos a central telefónica, fomos levantar os cobertores para tapar as janelas e começámos a preparar a sala. Deviam ser umas 17:20, mais ou menos, estava eu a pregar uns cobertores na janela, vi um furriel que veio de fora e bateu à janela, que eu nunca tinha visto na minha unidade, apanhei um susto, mas ele trazia um cabo na mão, e eu perguntei-lhe:
- “Então, mas o que é que você está aqui a fazer, quem é você?”
- “Eu sou das Transmissões, foi o nosso tenente-coronel Garcia dos Santos que me mandou para aqui!”
- “Então o que é que você quer?”
- “Eu trago aqui os telefones!”, e apontou-me para o cabo que tinha na mão.
- “Mas o que é que é isso?”
- “Isto é um cabo de telefones.”
- “Mas donde é que vem esse cabo?”
- “Vem de Sapadores!”
- “Mas como é que vocês chegaram aqui?”
- “Há três dias que andamos a montar o cabo, ontem estivemos ali na zona do Colégio Militar e agora estamos a chegar aqui!”
Então lá vinha o cabo com não sei quantos pares de fios telefónicos para garantir as nossas ligações telefónicas… montámos logo uma série de telefones, eles também traziam os aparelhos, montámos logo os telefones nas secretárias. Passado pouco tempo apareceu o Garcia dos Santos com uns camiões carregados com um poste de 13 metros, para montarmos uma antena. Lá se montou a antena, de facto era estranho estarmos às 18:30 a montar uma antena com 13 metros de altura, mas não levantou nenhum problema, porque todos os oficiais que estavam ali na altura estavam dentro do que ia acontecer…».


domingo, 15 de abril de 2012

Herculano, Entre o presente e o passado...


Em Maio de 1854, vai fazer 158 anos, Alexandre Herculano publicou o primeiro volume (Tomo I) da sua obra História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal. No Prólogo, o autor situa o seu trabalho no contexto da sua própria época e da sua participação no triunfo da liberdade em Portugal. Apesar das dificuldades e dos caminhos censuráveis dos seus contemporâneos, Herculano nunca perde a perspectiva da História, na comparação com os tempos anteriores, que ele persistentemente procura trazer à memória.
A certo passo, diz o seguinte nesse Prólogo:

“Felizmente, no meio das loucuras do terror, muitas almas fortes, muitas cabeças inteligentes têm sabido conservar frio o ânimo para não abdicarem o senso comum. Nação pequena e que a Europa desconsidera ainda, pela ideia que faz dela, à vista de um passado não mui remoto, temos nesta parte dado mais de um exemplo de alta sabedoria a algumas das maiores nações. A história contemporânea há-de prová-lo. Creia-nos o país, a nós que não estamos costumados a lisonjear-lhe vaidades pueris ou preocupações insensatas e que, impassivelmente, lhe havemos dito sempre o que reputamos ser verdade. No meio das nossas misérias morais, e não são elas nem pequenas nem poucas, a minoria liberal que tem traído as suas doutrinas é por mais de um modo insignificante. (…)
Todavia, a civilização, tornando cada vez mais íntimo o trato das nações entre si, faz necessariamente actuar as ideias de umas sobre as outras, e o homem é, ordinariamente, mais propenso a contentar-se das ideias alheias do que a reflectir e a raciocinar. Em certa esfera, e até certo ponto, a reacção geral tem representantes entre nós. Cumpre combatê-la, não para convencer aqueles que sempre amaram o passado e nunca negociaram com as suas crenças, porque esses respeitamo-los; mas para fortificar na fé liberal os tíbios do próprio campo e premuni-los contra as ciladas dos trânsfugas. Este intuito não é só nosso; é de todos os homens leais, de todos os amigos sinceros de uma justa liberdade.
Levados pelas nossas propensões literárias para os estudos históricos, era, sobretudo, por esse lado que podíamos ser úteis a uma causa a que estamos ligados, rememorando um dos factos e uma das épocas mais célebres da história pátria; facto e época em que a tirania, o fanatismo, a hipocrisia e a corrupção nos aparecem na sua natural hediondez. Quando todos os dias nos lançam em rosto os desvarios das modernas revoluções, os excessos do povo irritado, os crimes de alguns fanáticos, e, se quiserem, de alguns hipócritas das novas ideias, seja-nos lícito chamar a juízo o passado, para vermos, também, aonde nos podem levar outra vez as tendências de reacção (…)”.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Abrilada de 1961, Um fracasso anunciado…



No dia 13 de Abril de 1961, faz hoje 51 anos, os altos comandos militares, dirigidos pelo general Botelho Moniz, ministro da Defesa, levaram a efeito uma tentativa de golpe de Estado, sem êxito, que ficou conhecida por “Golpe Botelho Moniz” ou por “Abrilada” de 1961.

O “Golpe Botelho Moniz” foi uma tentativa de golpe palaciano, um pronunciamento militar para impor uma solução política para o Ultramar no sentido da autodeterminação.
A acção começou a 11 de Abril, quando o Exército entrou de prevenção. Kaúlza de Arriaga, subsecretário de Estado da Aeronáutica, sem autorização superior, respondeu e deu a mesma ordem à Força Aérea. No dia seguinte, Salazar ordenou ao ministro da Marinha, Quintanilha Dias, que pusesse a Marinha de prevenção.
Entretanto, Botelho Moniz e Almeida Fernandes, ministro do Exército, forçaram uma reunião com Américo Tomás que, numa estratégia de ganhar tempo, só os recebeu por volta da meia-noite. A reunião correu mal para Botelho Moniz, que se chegou a travar de razões com Almeida Fernandes à frente de Tomás.
Após esta reunião, Tomás comunicou por carta a Botelho Moniz a sua intenção de reiterar a sua confiança em Salazar.
Depois de todo este tempo perdido, Botelho Moniz convocou, para 13 de Abril às 17 horas, uma reunião na Cova da Moura, sede do Estado-Maior General, com os altos comandos das Forças Armadas, incluindo os comandos das Regiões Militares, para decidir a passagem à acção. Toda os comandos foram avisados desta reunião, até Kaúlza, que, por sua vez, avisou Américo Tomás e o chefe do Estado-Maior da Força Aérea, regressado nesse dia do estrangeiro.
Às 15 horas do dia 13 de Abril os golpistas foram surpreendidos pelo contra-ataque de Salazar ao ouvirem na Emissora Nacional a leitura de um comunicado dando conta da demissão do ministro da Defesa e dos outros membros do governo envolvidos.
Quando a reunião se realizou, às 17 horas, já foi, formalmente, uma reunião conspirativa e clandestina. O marechal Craveiro Lopes compareceu a esta reunião com uma mala com o seu uniforme de gala para fazer uma comunicação ao país, mas era tarde de mais. O golpe tinha falhado. Seguiram-se treze anos de guerra nas colónias.

A equipa militar que acabava de cair fora nomeada no rescaldo da campanha de Humberto Delgado, em 1958, quando Botelho Moniz substituiu Santos Costa na pasta da Defesa Nacional. Esta equipa envolveu-se numa mudança militar, com base num conceito de defesa completamente diferente, tendo em conta as novíssimas ameaças que pairavam sobre as colónias portuguesas.
A equipa do Exército era chefiada pelo ministro Almeida Fernandes e pelo seu subsecretário de Estado, Francisco da Costa Gomes.
Num dos primeiros documentos que elaboraram, datado de 24 de Junho de 1958, para servir de directiva básica à reestruturação do Exército, procuraram sistematizar, muito sinteticamente, mas de forma ousada, as condicionantes de partida. No que dizia respeito à “atitude das Forças Armadas perante a situação política vigente”, os autores são muito claros: “As Forças Armadas mantêm-se, por disciplina e sensatez, coesas e prontas a reprimir alterações da ordem pública. No entanto, não é o mesmo o espírito dos diversos escalões.
Nos oficiais, para cima de Major, pode dizer-se que a maioria é simpatizante com a situação política vigente. Pelo contrário, nos restantes oficiais, nos sargentos e nas praças readmitidas é quase geral o descontentamento. Crê-se que muito poucos subalternos, sargentos e praças tenham votado no candidato da União Nacional”.
Estava assim demonstrado que não se desconhecia a situação e que haveria muito trabalho a fazer. Mas para que não restassem dúvidas sobre os motivos que conduziram a esse ponto, o documento aponta depois as “Causas da situação do país perante a situação política vigente”, e que eram, em suma – “Pouco crédito que os quadros da actual situação política merecem ao país; Pouca eficiência do governo; Mau funcionamento dos Serviços Públicos; Disparidade de nível de vida das diversas classes da população; Deficiente preparação da juventude”.
O confronto com o regime era, portanto, uma questão de tempo!

segunda-feira, 9 de abril de 2012

La Lys, A Batalha Portuguesa


No dia 9 de Abril de 1918, faz hoje 94 anos, a Alemanha levou a efeito uma grande operação sobre a frente do Corpo Expedicionário Português (C.E.P.), na região da Flandres, acção que ficou para a história portuguesa como a Batalha de La Lys. As baixas portuguesas foram muito altas, com 398 mortos e 6585 prisioneiros.

Analisando a situação que a força portuguesa viveu, podemos dizer que as condições de permanência do C.E.P. na frente se degradaram muito no início de 1918. Por um lado, as tropas continuavam nas linhas da frente quase sem rotação, por outro a actividade militar na zona intensificou-se de forma gradual mas constantemente. O mês de Março foi extremamente penoso para as unidades portuguesas. O número de combates em que unidades portuguesas se viram envolvidas foi muito superior ao habitual. Houve combates em 2, 7, 9, 12 e 18 de Março, para além de pequenas escaramuças e contínuos bombardeamentos de artilharia.
O moral das tropas portuguesas diminuía à medida que se percebiam sinais de maior actividade nas linhas alemãs, que só podiam ser indícios da preparação de um ataque de maior escala. Os comandos portugueses aperceberam-se desta situação, mas o comando britânico manteve a ideia de que o ataque principal que as forças alemãs preparavam não seria na região de Armentières. Só nas vésperas do ataque o comando britânico determinou as mudanças que a situação impunha e que o novo acordo assinado com Portugal preconizava. Em 6 de Abril foi dada execução ao acordo. As tropas portuguesas receberam ordens para manterem na linha da frente apenas a 2ª Divisão, comandada por Gomes da Costa, passando para o comando do XI Corpo de Exército britânico. Na prática porém, a extensão da linha da frente manteve-se nos 12 km anteriores, sendo retirado um batalhão. Ou seja, a frente ficou com menos densidade de forças. O tempo também foi curto para consolidar as inevitáveis mudanças tácticas resultantes desta decisão unilateral do comando britânico.
Mas o pior estava para vir. Em visitas a 6 e 7 de Abril do comandante do XI Corpo, general Horne, ao comando da 2ª Divisão, as orientações foram no sentido de a Divisão consolidar a defesa da 2ª linha (linha B), com uma mensagem muito clara: “A Divisão tem de morrer na linha B”. Mas as notícias dos preparativos alemães e a constatação do nível moral e do estado físico das tropas portuguesas, levaram o comando britânico à decisão lógica, que uma prudente análise de situação já deveria ter aconselhado há bastante tempo. A 8 de Abril foi dada ordem para a substituição da 2ª Divisão por uma divisão inglesa, movimento que deveria iniciar-se a 9 de Abril. Era tarde e a decisão tardia desmoronou o moral das primeiras linhas portuguesas. Se a vontade de lutar e a disposição anímica era já extremamente baixa, a perspectiva de sair da frente anulou toda a capacidade de resistência e de comando. A situação só poderia conduzir a um desastre, se o ataque se realizasse exactamente nesse dia. Foi o que aconteceu.

São de destacar três depoimentos, que resumem o que então se passou, como testemunhas da época:

1. General Tamagnini de Abreu e Silva, comandante do C.E.P.:

“[Abril,] 9
“Aconteceu o que era de prever: um enorme desastre no sector guarnecido pela nossa divisão. Às 4.15 ouviu-se o primeiro tiro sobre St. Venant pela peça de longo alcance que há alguns dias estava calada. Depois disto mais onze (…)
O tiro às 4.15 parece ter sido um sinal para um bombardeamento terrível e certeiro em todo o sector. Bateram logo em começo os comandos de batalhão e brigada, cortando as comunicações telegráficas; depois, sem cessar, eram batidos os cruzamentos das estradas e as vias de acesso para a frente de forma a tornar perigosíssima e quase impossível a circulação dos agentes de ligação. Este bombardeamento durava ainda às 6h da [manhã], e era acompanhado pelo das áreas da retaguarda do sector.
Seguiu-se um forte ataque boche pela volta das 7 h da manhã, tendo os nossos soldados abandonado a 1ª (às 8 h) e a 2ª linhas (às 9 h) e entrincheirando-se na linha das Aldeias (…)

[Abril,] 10
Depois de almoçar vim para a minha nova residência. As notícias dos jornais dão os boches em Lavantie e Richebourg, mas as que me vieram directamente dão grande o desastre, mas sem vergonha completa para os nossos soldados. Ainda se salvou uma parte da honra do convento. Dizem que as Brigadas em 1ª linha e a artilharia fizeram o seu dever. Tivemos muitas baixas; calcula-se que perdemos 300 oficiais.

2. Douglas Haig, comandante da força britânica, escreveu:
“A preparação do inimigo para uma ofensiva neste sector central tinha sido concluída há algum tempo. O admirável e extenso sistema ferroviário tornou possível, com grande rapidez, a concentração de tropas necessárias para um ataque. As minhas forças neste sector não poderiam ser grandemente reduzidas.
Em consequência destes vários factores, a maior parte das divisões na linha de frente, e em particular a 40ª, 34ª, 25ª, 19ª e 9ª Divisões, as quais em 9 de Abril estavam na frente, entre o sector Português e o Canal Ypres-Comines, já tinham tomado parte na batalha do Sul. Deve considerar-se que, antes da batalha do norte se iniciar, quarenta e seis das minhas cinquenta e oito divisões, tinham estado empenhadas no sul.
No final de Março, no entanto, a parte norte da frente secou rapidamente sob a influência de uma Primavera muito quente, ficando em condições de sofrer um ataque mais cedo do que seria de esperar. Preparativos para apoiar a Divisão Portuguesa, que tinha estado continuamente em linha por um longo período e precisava descansar, foram feitos durante a primeira semana de Abril, e deveriam ter sido concluídos até à manhã do dia 10 de Abril. Entretanto, outras divisões, que tinham sido empenhadas na luta no Somme e que tinham sido retiradas para descansar e se reorganizarem, foram transferidas para a frente do Lys.
A persistência do bom tempo fora da estação e a secagem rápida do vale do Lys permitiu ao inimigo antecipar o ataque à 2ª Divisão Portuguesa.
Na noite de 9 de Abril, um invulgar bombardeamento pesado e prolongado, também com gás, foi iniciado ao longo de praticamente toda a frente de Armentières a Lens, cerca das 4,0 horas, do dia 9 de Abril.
O ataque do inimigo, em primeira instância foi lançado sobre a porção norte da frente do general Sir Horne, do Primeiro Exército.
Cerca das 7,0 horas, no dia 9 de Abril, na espessa neblina que tornou a observação impossível, o inimigo parece ter atacado pela esquerda, a brigada da esquerda da 2 ª Divisão Portuguesa em força e de ter quebrado as suas trincheiras. Poucos minutos depois, a área de ataque alargou-se para sul e para norte.
A comunicação com as divisões em linha foi difícil, mas durante a manhã, a situação ficou esclarecida, tornando-se evidente que um sério ataque estava em andamento na frente da 55a Divisão, da 2ª Divisão Portuguesa e da 40ª Divisão, desde o canal de La Bassé até ao Bosque Grenier.
Para o norte das posições da 55a Divisão, o ímpeto do ataque alemão submergiu as tropas portuguesas, e a progressão do inimigo foi tão rápido que as movimentações para cobrir as defesas da retaguarda deste sector com as tropas britânicas apenas puderam ser concluídas no limite do tempo.
A acção destas tropas, e mesmo de todas as divisões que se empenharam nos combates do Vale do Lys, foi notável, porque, como já foi salientado, praticamente a totalidade delas tinha vindo do campo de batalha do Somme, onde tinham sofrido gravemente e sido submetidas a uma grande tensão. Todas estas divisões, sem um descanso adequado e preenchido com jovens reforços, foram novamente atiradas apressadamente para a luta e, apesar das grandes desvantagens, conseguiram segurar o avanço de forças muito superiores”.

3. Paul von Hindenburg, comandante das forças da Alemanha, relatou o seguinte:
”No Inverno, a área do vale do rio Lys ficava inundada numa larga extensão, e na Primavera, não passava muitas vezes de um pântano, por semanas a fio - um verdadeiro horror para as tropas que estavam nas trincheiras nesta altura.
Era perfeitamente inaceitável pensar na realização de um ataque antes do vale do Lys se tornar transponível. Em circunstâncias normais de clima, só poderíamos esperar que o solo ficasse suficientemente seco, em meados de Abril.
Mas pensei que não seria possível esperar até essa altura para começar o combate decisivo no Ocidente. Tivemos de contar com as perspectivas de intervenção americana.
Não obstante estas objecções ao ataque, tínhamos o plano detalhado, pelo menos teoricamente.
Esta hipótese estava assente nos finais de Março. Logo que vimos que o nosso ataque a Ocidente era inevitável, decidimos iniciar as nossas operações na frente do Lys.
Uma pergunta dirigida ao Grupo de Exércitos do Príncipe Herdeiro Rupprecht, trouxe a resposta de que, graças à Primavera seca, o ataque em todo o vale do Lys se tornara viável.
Em 9 de Abril, aniversário da grande crise em Arras, as nossas tropas passaram das suas lamacentas trincheiras na frente do Lys para a frente de Armentières a La Bassée.
Claro que não foram transferidas por grandes movimentos, mas principalmente por pequenas destacamentos e colunas lentas, através do pântano.
Sob a protecção de nossa artilharia e morteiros de trincheira, eles conseguiram alcançar os seus postos rapidamente, apesar de todos os obstáculos naturais e artificiais, embora aparentemente nem os ingleses nem os portugueses acreditassem que isso fosse possível.
A maioria das tropas portuguesas deixou o campo de batalha em voo desenfreado (wild flight, na tradução inglesa), e de uma vez por todas retiraram-se da frente de combate.
É preciso reconhecer que a nossa exploração da surpresa e da fraqueza portuguesa, juntou-se aos mais sérios obstáculos relativos à natureza do terreno. Só com grande dificuldade alguns vagões de munições acompanharam a infantaria.
No entanto, o Lys foi atingido ainda de noite, tendo sido cruzado num ponto.
Em 10 de Abril Estaires caiu nas nossas mãos e ganhámos mais terreno a noroeste de Armentières. No mesmo dia a nossa frente de ataque estendeu-se para a região de Wytschaete.
O dia seguinte trouxe-nos mais sucessos e novas esperanças. Armentières foi evacuado pelo inimigo e capturámos Merville.
A partir de então a progressão tornou-se mais lenta. Depressa se transformou numa paragem, no flanco esquerdo, enquanto o ataque em direcção a Hazebrouck foi lentamente paralisando”.