sábado, 19 de maio de 2012

Alexandre Vieira, A jornada de oito horas…


Em 7 de Maio de 1919, fez recentemente 93 anos, foi estabelecida por lei (Decreto 5516), a jornada diária de oito horas de trabalho. Alexandre Vieira, então director de A Batalha, que depois viria a ser órgão da Confederação Geral do Trabalho (também criada em 1919), escreveu, a propósito, um pequeno texto com o título “Sobre o dia normal das 8 horas”, mais tarde incluído no seu livro Para a História do Sindicalismo em Portugal. Transcreve-se como homenagem, memória e lembrança de quem não devia ignorar, nem esquecer:

“A despeito das reiteradas tentativas feitas pelos representantes das associações comerciais e industriais, no intuito de conseguirem evitar que o regulamento das oito horas entrasse em vigor, não viram aqueles excelsos varões coroados de êxito os seus desesperados esforços.
O regulamento, mau-grado seu, começou efectivamente a adoptar-se, e essa regalia só não será absolutamente respeitada se porventura houver trabalhadores que, contra o que esperamos, se submetam docilmente a possíveis pressões de alguns industriais ou comerciantes, na certeza de que não deixará de haver patrões que hão-de tentar, num último esforço, anular essa regalia que, não há dúvida, vai abranger um grande número de salariados, embora algumas das mais importantes classes, como as dos trabalhadores rurais e ferroviários, tenham sido excluídas da lei, não sabemos por que estreito critério.
Disse-se que os magnates do comércio e da indústria, no propósito de impedirem a todo o transe que o regulamento entrasse em vigor, pretendiam encerrar os respectivos estabelecimentos, o que seria um espectáculo curioso. Mas, reflectindo, parece que desistiram desse intuito, certamente convencidos de que um tal gesto da sua parte poderia dar lugar a acontecimentos sérios em que decididamente as tais forças vivas, como só por irrisão temos visto cognominar pesos mortos, não representariam um papel agradável.
Não realizam os sindicatos patronais o anunciado lock-out, mas temos fundadas razões para supor que não desistirão de fazer a máxima oposição ao cumprimento da lei, facto este que o seu descomunal egoísmo e o seu vivo reaccionismo não aceitam de boa mente, porque no cérebro ancestral dessa gente não há lugar à receptividade de princípios novos, nem a obcecação do seu espírito permite esperar deles - e os factos o atestam - uma inteligente transigência com as conquistas do momento presente.
Quer isto dizer que o proletariado deve estar de atalaia e disposto a tornar eficiente, pela sua própria acção, a disposição legal que, sendo o produto da propaganda operária, só será respeitada se os trabalhadores a quem ela atinge souberem impedir, por uma acção combinada, possíveis mistificações ou quaisquer coacções.
Iludem-se aqueles que supõem que as entidades oficiais, no caso de um presumível ataque à regalia que vem de ser sancionada pelo Estado, repelirão esse ataque por intermédio dos seus múltiplos agentes.
Não tenha o operariado confiança em que tal suceda, porque a experiência ensina-nos que os órgãos governamentais só são rigorosos quando se trata de combater os trabalhadores. Sempre que são os poderosos a claudicar, os olhos oficiais nada vêem. E a comprovar esta asserção está o facto de os governantes e os seus agentes, tão severos em regra para com os que produzem, o não serem para com as tais forças vivas, ainda quando elas, como presentemente, promovem, pela escassez de géneros e pela sua carestia ou falsificação, uma vida insuportável.
Confiemos, portanto, apenas no próprio esforço”.

1 comentário:

  1. António Pedroso de Lima20 de maio de 2012 às 17:14

    Acentuo a enorme diferença que existe com o que sucede atualmente pois julgo ser impensável suceder hoje algo semelhante a assistir-se a um dirigente sindical, como Alexandre Vieira, a alertar os trabalhadores para a possibilidade de os sindicatos patronais não cumprirem a determinação governamental da jornada de trabalho de 8 horas.

    ResponderEliminar