quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Eça de Queiroz, O Partido Reformista!


Em 1871, há portanto 140 anos, Eça de Queiroz escreveu o seguinte texto, a propósito do aparecimento do partido reformista, texto depois incluído em Uma Campanha Alegre (1890):

“O partido reformista apareceu um dia, de repente, sem se saber como, sem se saber porquê. Era um estafermo austero, pesado, de voz possante. Ninguém sabia bem o que aquilo queria. Alguns diziam que era o sebastianismo sob o seu aspecto constitucional; outros que era uma seita religiosa para a criação do bicho-da-sede. Corriam as mais desvairadas opiniões. Apresentava-se tão grave, tão triste, tão intransigente, que no Chiado afirmava-se ser uma personagem da história romana – empalhado!
Ninguém se aproximava dele, no meio de imensa impressão que causava nos moços de fretes. Por fim, pouco a pouco, alguns jornalistas mais curiosos foram-se chegando, começaram a tocar-lhe com o dedo, a ver se era de pau. Era de carne, verdadeiro. Percebeu-se mesmo que falava. Então os mais audaciosos fizeram-lhe perguntas.
- Senhor – disseram -, espalhou-se por aí que vindes restaurar o País. Ora deveis saber que um partido que traz uma missão de reconstituição deve ter um sistema, um princípio que domine toda a vida social, uma ideia sobre moral, sobre educação, sobre trabalho, etc. Assim, por exemplo, a questão religiosa é complicada. Qual é o vosso princípio nesta questão?
- Economias! – disse com voz potente o partido reformista.
Espanto geral.
- Bem! E em moral?
- Economias! – bradou.
- Viva! E em educação?
- Economias! – roncou.
- Safa! E nas questões de trabalho?
- Economias! – mugiu.
- Apre! E nas questões de jurisprudência?
- Economias! – rugiu.
- Santo Deus! E em questões de literatura, de arte?
- Economias! – uivou.
Havia em torno um terror. Aquilo não dizia mais nada. Fizeram-se novas experiências. Perguntaram-lhe:
- Que horas são?
- Economias! – rouquejou.
Todo o mundo tinha os cabelos em pé. Fez-se uma nova tentativa, mais doce.
- De quem gosta mais, do papá ou da mamã?
- Economias! – bravejou.
Um suor frio humedecia as camisas. Interrogaram-no então sobre a tabuada, sobre a questão do Oriente…
- Economias! – gania.
Foi necessário reconhecer, com mágoa, que o partido reformista não tinha ideias. Possuía apenas uma palavra, aquela palavra que repetia sempre, a todo o propósito, sem a compreender. O partido reformista é o papagaio do Constitucionalismo”.

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