sábado, 17 de dezembro de 2011

Ramalho Ortigão, Passemos à Política!


Ramalho Ortigão incluiu no volume das Farpas relativo aos meses de Junho e Julho de 1882, faz portanto 129 anos, um texto que começa assim: “Passemos à política”! Eis alguns pequenos trechos:

“É pela mais justa e pela mais completa compreensão do seu destino social que tanto os indivíduos como os povos se disciplinam, se fortalecem e se aperfeiçoam. Em Portugal, a incapacidade governativa produziu, primeiro que tudo, este resultado funesto: fez perder ao País a noção histórica do seu destino;
(…)
Veja-se como em cada legislatura se propõe e se discute uma das poucas questões graves de que o Parlamento ainda se ocupa. Referimo-nos à coisa a que, no calão oficial em que tem degenerado a língua pátria, se chama - a questão da fazenda.
Reunidas as Câmaras e aberto perante elas o orçamento do Estado, começa-se invariavelmente por constatar, num trémulo elegíaco de sinfonia fúnebre, que continua a existir o deficit. Cada um dos três Governos, a quem a Coroa alternadamente adjudica a mamadeira do sistema, encarrega-se de explicar aos taquígrafos essa ocorrência - aliás desagradável, cumpre dizê-lo - mas de que ele, Governo em exercício, não tem culpa. A responsabilidade cabe ao Governo transacto, bem conhecido pelos seus esbanjamentos e pela sua incúria. (…)
Trocadas as descomposturas preliminares sobre a questão da fazenda, decide-se que é indispensável, ainda mais uma vez, recorrer ao crédito, e faz-se um novo empréstimo. No ano seguinte averigua-se por cálculos cheios de engenho aritmético que para pagar os encargos do empréstimo do ano anterior não há outro remédio senão recorrer ainda mais uma vez ao País, e cria-se um novo imposto.
Fazem-se empréstimos para suprir o imposto, criam-se impostos para pagar os juros dos empréstimos, tornam-se a fazer empréstimos para atalhar os desvios do imposto para o pagamento dos juros, e neste interessante círculo vicioso, mas ingénuo, o deficit - por uma estranha birra, admissível num ser teimoso, mas inexplicável num mero saldo negativo, em uma não-existência - aumenta sempre através das contribuições intermitentes com que se destinam a extingui-lo já o empréstimo contraído, já o imposto cobrado.
Pela parte que lhe respeita, o País espera. O quê? O momento em que pela boa razão de não haver mais coisa que se colecte, porque está colectado tudo, deixe de haver quem empreste por não haver mais quem pague.
No entanto, o problema de aumentar a riqueza - único meio de prover aos encargos - é considerado como absolutamente estranho à questão da fazenda. E todavia nem toda a gente ignora que a riqueza não aumenta senão pelo desenvolvimento progressivo do trabalho e que este se acha ligado aos progressos da indústria. (…)”.

Ler a crónica completa nas páginas 10-19 de:

http://purl.pt/256/3/pp-7311-p_1882/pp-7311-p_1882_item3/pp-7311-p_1882_PDF/pp-7311-p_1882_PDF_24-C-R0096/pp-7311-p_0000_capa-98_t24-C-R0096.pdf

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