Em 27 de Junho de 1953, faz hoje 59 anos, foi publicada a Lei 2066 ou Lei Orgânica do Ultramar Português. O Estado Novo, depois da aprovação da Carta das Nações Unidas em 1945, cujo Artigo 73º definia os princípios de administração dos territórios não autónomos e a obrigação de transmitir ao Secretário-Geral informações sobre esses territórios, procurava um estatuto especial para as suas colónias que sustentasse a tese de que as colónias integravam uma grande nação pluricontinental e multirracial. O trabalho começou em 1951 com a integração do Acto Colonial de 1930 na Constituição e depois, pela publicação de uma nova Lei Orgânica do Ultramar.
Mas nem tudo
correu bem. Primeiro, porque as Nações Unidas nunca aceitaram esta
“habilidade”, condenando constantemente a atitude e a política de Portugal, e
depois, porque algumas denúncias internas acabaram por esclarecer qual era a verdadeira situação nas
sociedades coloniais. Entre estas denúncias, e em lugar de destaque, figura, por
exemplo, em 1947, um relatório de Henrique Galvão apresentado à Assembleia Nacional
em sessão secreta, depois de uma viagem de inspecção a Angola. É desse
relatório o seguinte trecho:
“Os patrões
criam obstáculos a uma solução humanitária do problema da mão-de-obra. Fazem-no
contra, ou sob, protecção dos regulamentos oficiais, umas vezes iludindo as
repartições encarregues de zelar pelo seu cumprimento, outras vezes
subornando-as, explorando em seu benefício a falta de meios de coacção ou a
branduras das autoridades, e usando de todo o poder e toda a influência que
conseguem reunir. Eis os aspectos mais salientes da sua conduta.
a. Resistência de toda a espécie a uma
política de salários que seja económica e socialmente justa.b. Mau tratamento de trabalhadores. O castigo corporal ainda é usado; os patrões esquivam-se às suas obrigações no que se refere a alimentação, vestuário e assistência médica; a ideia de que o negro não passa de um animal de carga foi estabelecida; há uma indiferença manifesta quanto à saúde física e moral dos trabalhadores; uma classificação dos patrões pela forma como tratam os seus trabalhadores mostra uma tremenda percentagem de maus patrões.
c. Desperdício de mão-de-obra. A mão-de-obra é usada como se fosse extraordinariamente abundante. Tudo é feito por mãos de negros, desde o puxar de carros do lixo até à drenagem dos pântanos.
d. Carácter desumano dos recrutadores da mão-de-obra.
e. Deslocação de trabalhadores para regiões distantes sem terem em conta a mudança brusca de clima. Os sofrimentos são especialmente árduos quando são levados do interior para a faixa costeira e de regiões saudáveis para regiões infestadas de moscas tsé-tsé.
f. Abusos, não impedidos pelas autoridades, por parte dos comerciantes, para com os nativos.
g. Desprezo absoluto quanto às condições de vida dos nativos.
Esta é, muito resumidamente descrita, a grave situação em que os povos nativos vivem e trabalham, embora o Governo tenha sido informado por mim de todos os pormenores.
Tomo a responsabilidade de provar que tudo isto é a verdade exacta. A única coisa que pode ser dita, é que não descrevi toda a verdade, ou melhor, que a não apresentei debaixo de todas as suas numerosas formas. Abstive-me de o fazer, só porque isso teria exigido muito mais tempo do que aquele de que eu poderia razoavelmente dispor para este propósito”.