No dia 1 de Junho de 1973, faz hoje 39 anos, teve início, no Porto, o Congresso dos Combatentes, que seria contestado, através de um abaixo-assinado, por cerca de 400 oficiais das Forças Armadas. Nesta época difícil, as correntes mais radicais do Estado Novo consideraram indispensável a realização de um congresso de combatentes, com o fim de reafirmar a continuação da política ultramarina do regime, definindo um compromisso sem transigências nem aberturas. Os promotores do congresso sabiam que existia, em alguns sectores das Forças Armadas, uma vontade de questionar as soluções do regime para o problema ultramarino e a continuação da guerra.
O “Congresso dos Combatentes do Ultramar” fez-se em nome da “grandeza e unidade de Portugal”e os seus promotores apresentaram como ideia forte - “Não seremos a geração da traição”.
O Congresso era, antes de mais, um aviso a Marcelo Caetano que, não tendo outra saída que não fosse apoiá-lo, tomou as suas cautelas para a reunião não surgir como uma manifestação extremista. Para controlar esta facção do regime envolveu os membros do governo e promoveu, através de Sá Viana Rebelo, ministro da Defesa, a nomeação do prudente e respeitado general António Augusto dos Santos para presidente do Congresso.
Ainda com a intenção de arrefecer os ânimos mais exaltados, foram os comandantes-chefes dos teatros de operações incentivados a enviarem delegações de militares, incluindo do quadro permanente, ao Congresso.
Em Angola esteve constituída uma delegação e na Guiné, num primeiro momento, em Fevereiro/Março, no regresso de uma viagem a Lisboa, Spínola também estava disposto a enviar militares ao Porto.
O assunto do Congresso dos Combatentes tinha entretanto começado a ser discutido entre os oficiais do núcleo que daria origem ao movimento dos capitães na Guiné e que se reuniam no Agrupamento de Transmissões e no Grupo de Artilharia, sendo clara e cada vez mais ampla a oposição à participação no que aparecia aos olhos de todos como uma forma de pressão sobre o governo para continuar a guerra.
Efectivamente, na Guiné viviam-se tempos favoráveis ao debate. Pelo seu clima, pelo seu tamanho, pela acção e propostas políticas de Spínola, pela guerra conduzida pelo PAIGC, de forma mais aberta ou mais reservada a contestação ao Congresso floresceu e a reacção e repúdio dos oficiais do quadro permanente ao “Congresso dos Combatentes do Ultramar” transformou-se na primeira pedrada no charco, na Guiné-Bissau.
A Comissão Organizadora do Congresso mandou dois elementos de Lisboa a Bissau, o tenente-coronel Caçorino Dias, oficial de cavalaria e deficiente de guerra e o ex-alferes miliciano Nuno Cardoso da Silva, para tentarem convencer os oficiais da Guiné da bondade do Congresso e das vantagens da presença de uma delegação.
Numa longa reunião realizada na sede do Programa de Informação das Forças Armadas (PIFAS), os oficiais da Guiné expuseram a situação e a falta de sentido de defender as posições que estavam na origem do Congresso. Como resultado desta discussão, Caçorino Dias demitiu-se da organização.
A movimentação com recolha de assinaturas entre os oficiais em serviço na Guiné, que veio a atingir 400, foi um excelente pretexto para os consciencializar e para os preparar para as contestações seguintes. No dia da abertura do Congresso foi enviado de Bissau um telegrama assinado por Marcelino da Mata e Rebordão de Brito, os dois oficiais naturais da Guiné e condecorados com a“Torre e Espada”, a mais alta condecoração portuguesa e com o seguinte texto:
“Cerca de quatro centenas de oficiais dos quadros
permanentes e combatentes do Ultramar com várias comissões de serviço, certos
que interpretam o sentir de outras centenas de camaradas que, por motivos de
circunstâncias múltiplas, ignoram verdadeiramente o Congresso, desejam informar
V.Ex.as e esclarecer a Nação do seguinte:
1. Não aceitam outros
valores nem defendem outros interesses que não sejam os da Nação;2. Não reconhecem aos organizadores do I Congresso dos Combatentes do Ultramar, e portanto ao próprio Congresso, a necessária representatividade;
3. Não participando nos trabalhos do Congresso, não admitem que pela sua não participação sejam definidas posições ou atitudes que possam ser imputadas à generalidade dos combatentes;
4. Por todas as razões formuladas se consideram e declaram totalmente alheios às conclusões do Congresso, independentemente do seu conteúdo ou da sua expressão”.
(…)
Solicita-se que ao presente telegrama seja dada publicidade igual à utilizada para as conclusões do Congresso”.
Em Lisboa o descontentamento dos oficiais deu também
origem a um movimento de contestação, encabeçado por oficiais que tinham feito
comissões na Guiné. Num momento em que, sobretudo na Guiné, os confrontos se
agravavam, e o desgaste provocado pelo esforço de guerra se reflectia
perigosamente no moral das tropas, aos olhos de muitos começava a ser óbvio que
o governo aceitaria mais facilmente uma derrota militar do que a cedência
perante os movimentos de libertação. O espectro do caso da Índia era
preocupante, temendo-se que, uma vez mais, as Forças Armadas fossem
responsabilizadas pelos erros políticos do regime e pela sua estratégia
colonial. A mobilização em torno da contestação ao Congresso dos Combatentes
acabou por patentear um clima de mal-estar que se começava a instalar no
interior das Forças Armadas e o elevado número de assinaturas reunidas em
apenas alguns dias em Bissau e em Lisboa são disso o sinal incontestável.
Para camuflar o fracasso em que o Congresso se
transformara e para evitar expor o agravamento das fracturas no seio das forças
armadas e do regime, Sá Viana Rebelo, ministro do Exército e da Defesa, proibiu
a participação dos oficiais no activo. Com esta decisão transformou o Congresso
numa reunião ao nível das que a Legião Portuguesa costumava realizar.
Ver: Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, Os Anos
da Guerra Colonial. Porto, Quidnovi, 2010, pp. 727-728.
Sem comentários:
Enviar um comentário