No dia 29 de Maio de 1965, faz hoje 47 anos, a PIDE comunicou à imprensa de Moçambique que, “depois de paciente e persistente trabalho de referenciação”, capturou os “elementos que constituíam a 4.ª Direcção Regional da organização terrorista designada por FRELIMO”.
Foram detidos todos os dirigentes e numerosos intelectuais das células da FRELIMO, entre eles, Luís Bernardo Honwana, escritor e jornalista, Daniel Magaia, empregado comercial, Abner Mutemba, enfermeiro, José Craveirinha, funcionário público, poeta e escritor, Domingos Arouca, advogado, Rui Nogar, escriturário e poeta, e Malangatana Valente, escriturário de terceira classe e pintor, residente no Bairro Clandestino do Aeroporto.
De facto, já estavam detidos desde Janeiro de 1965, mas só viriam a ser julgados pelo Tribunal Militar Territorial de Moçambique a 15 de Março de 1966. Foram absolvidos, o que causou a ira da PIDE contra o próprio tribunal militar: “o Tribunal autorizou toda a espécie de ataques que os advogados quiseram fazer à polícia, ataques descabidos e despropositados. Chegou a permitir que aparecesse como testemunha de defesa uma nativa vestida de preto – os nativos não se vestem desta forma quando estão de luto – que se limitou a afirmar que o seu marido tinha sido preso e morto pela Polícia”. E acrescentou que “todas as sessões dos julgamentos foram extraordinariamente concorridas e foi permitida a presença de indivíduos de ambos os sexos e de várias raças”.
Os tribunais
militares eram presididos por um oficial – normalmente um coronel -coadjuvado
por um vogal militar e um juiz da magistratura judicial. A defesa dos
interesses do Estado e da Instituição Militar estava a cargo de um promotor,
também militar.
Estes militares eram nomeados sem interferência da
política, sendo por norma oficiais no final da carreira, que pautavam o seu
comportamento pelo cumprimento da lei, sem se sentirem obrigados a obediência
política como os juízes civis dos tribunais plenários, nomeados por confiança
do regime e que colocavam muitas vezes os seus interesses acima da lei. A PIDE nunca apreciou a independência dos militares e preferia os juízes civis.
No caso dos intelectuais moçambicanos está registada a participação da PIDE de Moçambique ao Secretariado Geral da Defesa Nacional e ao Ministro da Defesa, com a relação nominal dos militares que compunham o tribunal.
Libertados os absolvidos, logo a PIDE se encarregou de os deter de novo, a 17 de Junho, apresentando-os a Tribunal Militar Territorial que, desta feita, alterada a sua composição com novos elementos, então com data de 11 de Novembro de 1966, condenou a maioria dos réus, embora, mesmo assim, tenha absolvido Malangatana e Daniel Magaia.
Em1967, a FRELIMO tentou reorganizar-se em Lourenço Marques e de novo em 1970, mas a PIDE conseguiu anular todas as tentativas. Em 1972, a PIDE desencadeou a operação “Vendaval”, prendendo cerca de 350 pessoas nos arredores de Lourenço Marques, na sua maioria funcionários públicos ou trabalhando para empresas públicas.
A FRELIMO sentiu sempre grande dificuldade em manter uma actividade constante no Sul de Moçambique. No Norte, a PIDE conseguiu também desmantelar as redes nos principais centros populacionais, tendo detectado redes de militantes em Nampula e Porto Amélia, e descoberto elementos dos GE (Grupos Especiais) que eram militantes da FRELIMO.
Embora com estes êxitos, a PIDE considerava que “era impossível extirpar um mal que tinha a sua génese numa população mentalizada a favor da subversão”.
Entretanto, em 17
de Novembro de 1968, a Comissão de Descolonização da ONU adoptou mais uma
resolução que pedia a Portugal para entrar em negociações com os movimentos
representativos dos seus territórios africanos para a concessão da
independência. A resolução pedia ainda a Portugal que tratasse os guerrilheiros
que actuavam em Angola, Guiné e Moçambique como prisioneiros de guerra, o que
Portugal jamais fez.
Na realidade, os guerrilheiros capturados nas
operações militares ou pela PIDE não tinham qualquer estatuto jurídico perante
a justiça. Não eram criminosos de delito comum, nem combatentes. Não eram,
assim, objecto de interesse da Justiça. Depois de capturados, os guerrilheiros
eram, de forma geral, seres não existentes.O sistema judiciário português, os seus magistrados, formalmente independentes do governo, nunca dedicaram a mais pequena atenção a estes cidadãos nem à sua situação jurídica.
Na África do Sul, e até na Rodésia, pelo contrário, os guerrilheiros eram formalmente acusados e levados a tribunal.
Ver: Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, Os Anos da Guerra Colonial. Porto:
Quidnovi, 2010, p. 281.
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