terça-feira, 29 de maio de 2012

Guerra Colonial - O regime português, os guerrilheiros e a justiça...


No dia 29 de Maio de 1965, faz hoje 47 anos, a PIDE comunicou à imprensa de Moçambique que, “depois de paciente e persistente trabalho de referenciação”, capturou os “elementos que constituíam a 4.ª Direcção Regional da organização terrorista designada por FRELIMO”.
Foram detidos todos os dirigentes e numerosos intelectuais das células da FRELIMO, entre eles, Luís Bernardo Honwana, escritor e jornalista, Daniel Magaia, empregado comercial, Abner Mutemba, enfermeiro, José Craveirinha, funcionário público, poeta e escritor, Domingos Arouca, advogado, Rui Nogar, escriturário e poeta, e Malangatana Valente, escriturário de terceira classe e pintor, residente no Bairro Clandestino do Aeroporto.
De facto, já estavam detidos desde Janeiro de 1965, mas só viriam a ser julgados pelo Tribunal Militar Territorial de Moçambique a 15 de Março de 1966. Foram absolvidos, o que causou a ira da PIDE contra o próprio tribunal militar: “o Tribunal autorizou toda a espécie de ataques que os advogados quiseram fazer à polícia, ataques descabidos e despropositados. Chegou a permitir que aparecesse como testemunha de defesa uma nativa vestida de preto – os nativos não se vestem desta forma quando estão de luto – que se limitou a afirmar que o seu marido tinha sido preso e morto pela Polícia”. E acrescentou que “todas as sessões dos julgamentos foram extraordinariamente concorridas e foi permitida a presença de indivíduos de ambos os sexos e de várias raças”.

Os tribunais militares eram presididos por um oficial – normalmente um coronel -coadjuvado por um vogal militar e um juiz da magistratura judicial. A defesa dos interesses do Estado e da Instituição Militar estava a cargo de um promotor, também militar.
Estes militares eram nomeados sem interferência da política, sendo por norma oficiais no final da carreira, que pautavam o seu comportamento pelo cumprimento da lei, sem se sentirem obrigados a obediência política como os juízes civis dos tribunais plenários, nomeados por confiança do regime e que colocavam muitas vezes os seus interesses acima da lei.
A PIDE nunca apreciou a independência dos militares e preferia os juízes civis.
No caso dos intelectuais moçambicanos está registada a participação da PIDE de Moçambique ao Secretariado Geral da Defesa Nacional e ao Ministro da Defesa, com a relação nominal dos militares que compunham o tribunal.
Libertados os absolvidos, logo a PIDE se encarregou de os deter de novo, a 17 de Junho, apresentando-os a Tribunal Militar Territorial que, desta feita, alterada a sua composição com novos elementos, então com data de 11 de Novembro de 1966, condenou a maioria dos réus, embora, mesmo assim, tenha absolvido Malangatana e Daniel Magaia.
Em1967, a FRELIMO tentou reorganizar-se em Lourenço Marques e de novo em 1970, mas a PIDE conseguiu anular todas as tentativas. Em 1972, a PIDE desencadeou a operação “Vendaval”, prendendo cerca de 350 pessoas nos arredores de Lourenço Marques, na sua maioria funcionários públicos ou trabalhando para empresas públicas.

A FRELIMO sentiu sempre grande dificuldade em manter uma actividade constante no Sul de Moçambique. No Norte, a PIDE conseguiu também desmantelar as redes nos principais centros populacionais, tendo detectado redes de militantes em Nampula e Porto Amélia, e descoberto elementos dos GE (Grupos Especiais) que eram militantes da FRELIMO.
Embora com estes êxitos, a PIDE considerava que “era impossível extirpar um mal que tinha a sua génese numa população mentalizada a favor da subversão”.

Entretanto, em 17 de Novembro de 1968, a Comissão de Descolonização da ONU adoptou mais uma resolução que pedia a Portugal para entrar em negociações com os movimentos representativos dos seus territórios africanos para a concessão da independência. A resolução pedia ainda a Portugal que tratasse os guerrilheiros que actuavam em Angola, Guiné e Moçambique como prisioneiros de guerra, o que Portugal jamais fez.
Na realidade, os guerrilheiros capturados nas operações militares ou pela PIDE não tinham qualquer estatuto jurídico perante a justiça. Não eram criminosos de delito comum, nem combatentes. Não eram, assim, objecto de interesse da Justiça. Depois de capturados, os guerrilheiros eram, de forma geral, seres não existentes.
O sistema judiciário português, os seus magistrados, formalmente independentes do governo, nunca dedicaram a mais pequena atenção a estes cidadãos nem à sua situação jurídica.
Na África do Sul, e até na Rodésia, pelo contrário, os guerrilheiros eram formalmente acusados e levados a tribunal.

Ver: Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, Os Anos da Guerra Colonial. Porto: Quidnovi, 2010, p. 281.

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