quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Rebelo da Silva, As Ilusões Vintistas


Luís Augusto Rebelo da Silva, historiador do século XIX, escreveu em 1870, há 141 anos, um livro com o título Varões Ilustres das Três Épocas Constitucionais, de onde se recorta o seguinte trecho, dedicado à Revolução de 1820:

Nunca houve revolução tão serena e repousada, tão pacífica e unânime, como a de 24 de Agosto; e nenhuma caminhou também por meios mais suaves e regulares. Os deputados sérios, convencidos e imperturbáveis, não tiravam os olhos do Capitólio imaginário, procedendo em suas deliberações com tanta pausa e sossego como se contassem diante de si um século de existência. O congresso, julgando-se santíficado pelo dogma da soberania popular, e glorificado pelo pregão popular de suas virtudes e sabedoria, juncava de espadanas e de palmas os átrios do seu templo, acreditando que nenhum sacrílego se atreveria a alçar o braço contra o altar, onde ardia perene e imaculado o fogo de Vesta dos novos ritos.
O silêncio ardiloso dos inimigos iludiu-o. Deixou fugir as ocasiões, deixou evaporar em efervescências efémeras o calor e a vida da revolução, e, não se comovendo, como devia, com os perigos, deixou medrar os abusos e as conspirações sem ferir uma só batalha contra eles. Em vez de aproveitar o tempo, as circunstâncias e as boas disposições de D. João VI, contentou-se com a proclamação dos princípios, e embrenhou-se em questões de secundário e remoto interesse. (...)

A Costituição, assim paralisada e reduzida a uma colecção de máximas teóricas, não cumpriu nenhuma de suas promessas, nem produziu os bens que todos confiavam que seriam uma consequência do seu estabelecimento. (...)

A Nação, assim enganada em todos os seus votos, não se compunha de sábios nem de filósofos. Tinham-lhe afiançado grandes e prontos beneficios, e ao cabo de três anos não experimentara nem um só! Tinham-lhe jurado a extirpação dos abusos, e os abusos ramificavam-se! Tinham-na atraído, enlevado e seduzido com palavras, e nos braços dos profetas via-se tão pobre, tão oprimida, e mais enferma ainda do que antes! A boa vontade sem as obras nunca passou da intenção, e com intenções justas, mas inertes, nenhum país se salvou nunca. Os regeneradores de 1820 perderam-se recuando. Uma revolução não se desenvolve e consolida capitulando com os elementos hostis e antinómicos, que deve debelar; firma-se desobstruindo o terreno e edificando de novo. O congresso suicidou-se e matou a liberdade, conservando a direcção administrativa nas mãos ineptas e infiéis, que, exceptuados poucos, tinham precipitado a decadência de Portugal!

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