quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Oliveira Martins - Uma granja e um banco: eis o Portugal português

Em 1881, faz agora 130 anos, Oliveira Martins publicou o seu Portugal Contemporâneo, de que extraímos o seguinte texto (não completamente ajustado à situação presente, mas onde reconheceremos facilmente os traços principais):

"Uma granja e um banco: eis o Portugal português

Os países principalmente agrícolas só enriquecem lentamente. A nós sucede-nos que, além de nos faltar o carvão, matéria-prima industrial, nos faltam matérias-primas incomparavelmente mais graves ainda: juízo, saber, educação adquirida, tradição ganha, firmeza no governo e inteligência no capital. Todas estas faltas essenciais, e o avanço ganho pelos outros povos da Europa, afigura-se-nos condenarem-nos a ficar decididamente ocupados em lavrar terras e emigrar para o Brasil. Os lucros agrícolas e o dinheiro dos repatriados são o mais líquido das nossas economias nacionais. (…)

Regenerada à solta lei da Natureza, a Nação vê que, em parte considerável, a riqueza criada sobre ela não lhe aproveita. Os caminhos de ferro que não são do Estado pertencem a estrangeiros; a estrangeiros o melhor das nossas minas; estrangeiros levam e trazem o que mandamos e recebemos por mar. Só o solo nos pertence, só o líquido do rendimento agrícola nos enriquece? Não. A fartura de uma população rural ignorante, junta-se a opulência das classes capitalistas de Lisboa e das cidades do Norte, não mais culta, porém mais videira. Uma granja e um banco: eis o Portugal português. Onde está a oficina? E sem esta função eminente do organismo económico não há nações. Pode haver populações provinciais; pode haver Mónacos; mas falta um órgão à circulação, um membro ao corpo humano. Um povo constituído em nação é como um abecedário: todas as letras lhe são necessárias para escrever o que pensa.
E como em Portugal faltam letras, os escritos portugueses não se entendem. Assim as populações rurais e as urbanas, a propriedade e o capital, sem o anexo da indústria, isoladas, não se penetram. Se o capitalista compra terras, é para as arrendar, vivendo sempre do juro. E capitalista e proprietário, provinciano um, cosmopolita o outro, nenhum sente palpitar em si a alma da Nação. Um olha para os milhos, o outro para os papéis, absorvidos ambos no seu interesse egoísta, indiferentes a tudo o mais. (…)

Que se lhe dá o proprietário do que passa em Lisboa?
Imagina com razão que nada lhe arrancará dali ao pé o caminho de ferro ou a estrada. E ao capitalista que se lhe dá? Os jurinhos vão vindo; rabiscando por aqui, por ali, jogando um pouco, assinando empréstimos, criando o seu banco, etc., vive bem, satisfeito, os anos que lhe restam. É positivo e prático, como os que não vêem um dedo adiante do nariz. E finalmente o político, esfregando as mãos, demonstra em discursos e relatórios que se não pode ir melhor: os rendimentos crescem: vejam! Como é grande o nosso país! E a plateia de Sanchos, mas sem ironia sequer, Sanchos conservadores, Sanchos demagogos, Sanchos monárquicos e republicanos, metafísicos e positivistas, proprietários e capitalistas, nobres e burgueses: toda a plateia aplaude, grita, aclama a fortuna do grande reino da Barataria".

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