quinta-feira, 1 de março de 2012

Repórter X, O patriotismo português…



No dia 31 de Janeiro de 1926, fez há pouco 86 anos, o Repórter X escreveu uma crónica no jornal A Choldra, com o título “O patriotismo português e a nossa pseudo-independência”, adequado ao tempo que corria, mas admirável texto com duração garantida. O Repórter X, Reinaldo Ferreira (1897-1935), foi um extraordinário jornalista, se assim se pode dizer. Muitas das suas mais marcantes reportagens são puras invenções, mas de um sabor e de uma mestria tal que eram tidas como verdadeiras e apreciadas pelas suas outras qualidades, desde a beleza dos textos, à linguagem utilizada, aos comentários e considerações aduzidas… Deixou inúmeros escritos, novelas, peças de teatro, folhetins. Também realizou filmes e fundou jornais. Se houvesse memória, Reinaldo Ferreira seria uma extraordinária figura do nosso século XX.
Nesta pequena crónica publicada em A Choldra, jornal do Partido Republicano da Esquerda Democrática de José Domingues das Santos, podemos ler uma saborosa análise de algo que todos sentimos como ideia persistente – o patriotismo relacionado com o valor da nossa acção:

“O patriotismo, como o amor, como a fisionomia das cidades, como a ciência - sofre a influência das épocas, a moldagem dos séculos. O patriotismo em todos os países perdeu a “moralidade convencional e romântica” para ganhar precisão e exactidão práticas. Em Portugal, somos patriotas pelas mesmas fórmulas e pelas mesmas razões com que a velhada de Azambuja ou Lavarabos, prefere as diligências solavancadas e lentas a uma parelha, à vertigem, com molas e conforto, de um auto moderno.
E patriotas porque o sol brilha com ouros preciosos, e o clima tem suavidades de morfina - satisfazemo-nos em berrarias de praça, em palmadas exaltadas no peito. O nosso patriotismo tem um rival: o dos búlgaros. Em 1919, conheci em Anvers um búlgaro. Falámos de Portugal - e ele, levantando um canto dos lábios, com superioridade cómica, contentou-se em dizer:
- Se você conhecesse a Bulgária!
- Não conheço! Mas não há sol como o de Lisboa.
- Se você conhecesse o de Sófia!
- Bom... mas o nosso clima é o mais...
- Ah! Doçuras como as da temperatura búlgara...
- Vocês podem ter um sol e um clima como o nosso - o que não têm, com certeza, é “tesura" como a do portuguezinho.
- Bem se vê que você não conhece a história da Bulgária - replicou ele - É a mais gloriosa; é o maior desfile de bravos e de heróis…
- Mas... já experimentou os nossos barbeiros?
- Não podem ser melhores que os nossos...
- E o fado?
- Ora... ora… o “tchark” é a melodia mais sentimental que existe!
E não houve forma! O patriotismo do búlgaro, como o nosso, como o da Pérsia, defende apenas o que não marca; o que não dá prosperidades nem honra, porque não é produto da vontade dos homens, porque não exibe qualidades de raça nem virtudes de época.
E por isso…

***
Por isso, senhores, temos a ilusão triste e falsa do nosso orgulho de portugueses.
A nossa independência é uma fumarada de ópio.
A nossa autonomia, uma palavra sem significado nos dicionários da política mundial. A nossa soberania - uma mentira como a beleza da cocotte maquilhada - tem hoje menos vontade própria, menos orgulho, menos dignidade do que os protectorados ingleses, do que a desses reinos asiáticos fechados num ritual, escravizados em palácios seculares - e cujos monarcas, antes de jantar perguntam aos altos comissários europeus, de que menus devem servir-se.
O Egipto, na ratoeira da sua liberdade, agita-se, convulsiona-se, repele sugestões, luta com epilepsias loucas, contra a pressão da pata britânica. A Índia, sangrando num eterno martírio a San-Sebastião, segue o seu roteiro da invasão, caindo, levantando-se, mas reagindo sempre, e sempre pronta a estrangular o opressor.
Nós, não. O nosso patriotismo é feito de cavaqueira, de gestos, de ameaças contra quem duvidar da luz do nosso sol ou das delícias do nosso clima!

***
A palavra “portugalizar” não é uma calúnia. A Inglaterra guia-nos pelo labirinto da política internacional como um cicerone da Cook; a Inglaterra zanga-se, põe-nos de castigo e dá-nos torrões de açúcar, em forma de “visita de esquadra” como os tutores fazem aos pupilos, segundo as suas travessuras ou os seus juízos. A Inglaterra faz mais: a Inglaterra, através do “professor” que a representa em Lisboa, escreve cartas aos jornais, premiando ou reprovando as campanhas que no jornalismo se iniciem. (…)”.

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