quarta-feira, 28 de março de 2012

Marcelo Caetano, Um abismo nunca vem só...



No dia 28 de Março de 1974, faz hoje 38 anos, Marcelo Caetano fez, na Televisão e na Rádio, a sua última “conversa em família”. Desde 8 de Janeiro de 1969 que Marcelo Caetano se apresentava periodicamente na Televisão para uma “conversa” com os portugueses, o que contribuiu para popularizar a sua imagem em contraste com a figura fugidia de Salazar, seu antecessor. Para Caetano, a RTP (única que existia na altura) era um instrumento ao serviço do Governo e devia estar submetida ao que o Governo entendia por interesse nacional.
Esta "conversa em família" foi difundida poucos dias depois da tentativa do golpe militar das Caldas da Rainha. As palavras de Marcelo Caetano deixam transparecer as graves dificuldades que o regime vinha sentindo para se manter no poder. Aumentava a pressão diplomática na frente externa, a guerra colonial arrastava-se sem solução e a contestação interna fazia-se ouvir como nunca.
A comunicação é um misto de balanço e lamento, deixando entrever que ele próprio estava convencido que o seu mandato se aproximava do fim.
Eis um dos trechos principais:

“Tem-se a Nação recusado a abandonar as terras de além-mar onde grandes comunidades vivem e progridem como núcleos integrantes da Pátria Portuguesa. (…)
De todas as infâmias que os adversários da nossa presença em África têm posto a correr contra nós e alguns portugueses infelizmente repetem, confesso que me fere mais a de que defendemos o Ultramar para favorecer os grandes interesses capitalistas. (…) O que defendemos em África são os portugueses, de qualquer raça ou de qualquer cor, que confiam na bandeira portuguesa; é o princípio de que os continentes não são reservados a raças, mas neles deve ser possível, para aproveitar os espaços vazios e valorizar as riquezas inertes, o estabelecimento de sociedades multirraciais; é o direito dos brancos a viver nos lugares que tornaram habitáveis e trouxeram à civilização, e a participar no seu governo e administração. Num mundo que proclama a luta contra o racismo, que nega a legitimidade das discriminações raciais, é isso mesmo que defendemos: a possibilidade de, na África Austral, onde de longa data os europeus se fixaram, prosseguirem a sua evolução sociedades políticas não baseadas na cor da pele”.

Ao mesmo tempo que estas palavras eram proferidas, os representantes portugueses na aliança Alcora negociavam com a África do Sul o apoio financeiro necessário ao prosseguimento das operações militares, no âmbito do acordo assinado em 1970, entre Portugal e os regimes racistas da África do Sul e da Rodésia. Os militares que preparavam o 25 de Abril não tinham um conhecimento directo da formalidade da aliança, mas tinham ideia suficiente da existência de compromissos políticos entre Portugal e os dois regimes racistas. A razão dos capitães era também uma questão de dignidade política.

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