terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Artur Leitão, Os nossos meios políticos...


No dia 22 de Junho de 1925, vai fazer portanto 87 anos, Artur Leitão, médico, jornalista e republicano, escreveu no jornal O Espectro, um texto sobre a política portuguesa intitulado "...A rufo de tambor e toque de corneta", que reflectia, não apenas a época difícil que as instituições republicanas atravessavam, mas o próprio comportamento dos políticos da República, dirigindo-se sobretudo àqueles que, na sombra, conspiravam contra a democracia. E como há textos que nunca se desactualizam, aqui reproduzo alguns trechos:

“Lembro-me de ter lido, não sei ao certo onde, que a política é um ambiente de especialização. Assim como o exame de uma tela ou duma escultura deve ser feito a uma luz apropriada que lhe ponha em relevo todos os valores, assim também um problema social precisa de ser colocado numa atmosfera propícia que lhe demarque todos os contornos e dê nitidez a todas as arestas. Fora desse ambiente adequado, o assunto não obterá facilidades de análise, nem elementos de solução imparcial e genérica, porque hão-de vir a prejudicá-la o choque de interesses restritos, ou a introdução de critérios simplistas, ou alguma outra, se não mais, das múltiplas causas perturbadoras da serenidade, da ponderação, tacto e jeito que se tornam imprescindíveis para as funções de estadista.
E agora pergunto: Os nossos meios políticos constituem porventura, nesta crítica hora, os ambientes de especialização referidos na fórmula que cito e que tem tanto de sucinta como de bem achada?
(…)
Há efectivamente, nos meios políticos portugueses uma especialização, mas essa, em vez de ser esclarecedora, é deformante. Não coincide com o meio social – sobrepõe-se-lhe.
Desta maneira, sucede que um problema de interesse colectivo, quando penetra no ambiente político, muda-se desde logo num caso de interesse da clientela. Dá-se, nessa diferença de ambiente, o nacional e o partidarista, o mesmo que acontece à ponta de uma vara que se mergulha num tanque: a vara refracta-se, - entorta. Mas a inflexão da vara é um mero ilusionismo de óptica, ao passo que um problema nacional quando mergulha, quando chafurda nas águas estagnadas da nossa politiquice, fica tão real e verdadeiramente torto, como um chifre, com sua licença”.

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