quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

João Chagas, Os deportados do 31 de Janeiro


João Chagas escreveu, em 31 de Outubro de 1910, já fez portanto 101 anos, uma Carta com o título “Carta sobre a responsabilidade do Partido Republicano perante a acção popular”, em que recorda a forma como os presos do 31 de Janeiro foram tratados, antes da deportação de muitos deles para Angola. São estes alguns trechos dessa Carta:

“Há vinte anos era fácil perseguir os republicanos, sem provocar por esse facto uma agitação pública, porque a ideia republicana não se tinha ainda apoderado da alma popular. A revolução do Porto foi sufocada e o povo viu sem revolta partir os revolucionários para a deportação e o exílio. Do Tejo abalaram numa manhã para a África dois navios cheios deles, e o coração de Lisboa não pulsou por isso com mais força. (…)
Antes de ser mandado para Angola, na leva de deportados de que fiz parte, passei um longo mês a bordo do couraçado Vasco da Gama, no Tejo, e fui como todos os meus companheiros, objecto de uma viva curiosidade por parte desta população de Lisboa, que não se recordava já da sua última revolta e nunca vira um revoltado a valer. Assim um numeroso povíléu foi durante esse mês a bordo do Vasco da Gama ver, com os seus olhos, esses bichos raros, que éramos nós. Por ali passaram milhares de indivíduos, mas - com tristeza o reconheci - não eram republicanos, não eram nada! (…)
No meio dessa multidão, os republicanos que ali iam para nos testemunhar a sua solidariedade, eram apenas alguns, e a todos conhecíamos pelos seus nomes. Eram o que nós então chamávamos o partido.
Uma manhã fomos levados de bordo do Vasco da Gama para bordo do Cazengo. Não nos preveniram sequer, e assim nós não pudemos dizer um último adeus aos nossos. Nos lanchões que nos levaram rio abaixo até o Cazengo, que nos esperava em Paço de Arcos, íamos comprimidos como reses. A manhã estava linda e o panorama da cidade desenrolava-se aos nossos olhos como uma última visão da pátria, do lar, da família, da vida feliz. «Adeus!, adeus !», gritavam todos agitando os braços enquanto os lanchães cortavam a água deixando Lisboa para trás; mas Lisboa não respondia. Lisboa dormia ainda, indiferente a nós, que ali íamos para um destino desconhecido, e indiferente ao nosso destino. Então, como se a quisessem acordar do seu sono e da sua indiferença, os deportados entoaram num coro estridente uma Marselhesa que nunca terá sido cantada por vozes mais sufocadas pelas lágrimas, mas esse clamor pungente perdeu-se no ar, como o próprio anseio das suas almas precursoras. Lisboa não acordou.

Às armas, cidadãos!

Em vão! Em vão! Lisboa dormia. Dormia ainda, para só acordar muito tarde".

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