segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
João Chagas, Chama-se a isto governar?
A 1 de Março de 1909, vai fazer 103 anos, João Chagas escreveu uma “Carta em Resposta ao Discurso da Coroa”, onde, entre outros assuntos, aborda a questão da instrução em Portugal, em comparação com outros países europeus. As brochuras contendo as Cartas eram publicadas pelo autor uma vez por semana, aos sábados, e vendiam-se por 50 réis “em todas as livrarias, tabacarias e quioskes”. O I Volume (chamado “Primeira Série”) foi publicado entre 10 de Dezembro de 1908 e 19 de Abril de 1909. Eis alguns trechos:
“Este povo espoliado, reduzido à miséria e lançado ao abandono, jaz na abjecta ignorância que se sabe.
No ponto de vista da instrução apenas dois países estão abaixo de Portugal: a Roménia e a Sérvia.
Pelo censo de 1878, a população era de 4.455.699 indivíduos. 3.151.774 não sabiam ler, nem escrever. A percentagem dos analfabetos era de 82%. No censo de 1890, a população subiu para 5.049.720 habitantes e eram ainda analfabetos 4.000.927 indivíduos, isto é, 79,2%. A população aumenta sempre. Estamos em 1900. Neste ano é de 5.423.132 habitantes e o número dos analfabetos é ainda de 4.261.336 indivíduos, isto é, 78,5%. Assim vê-se (Boletim da Associação das Escolas Móveis) que, de 1890 a 1900, em 10 anos, a percentagem dos analfabetos baixou 7 décimos por cento. (…)
Instruir uma mulher é abrir uma escola, dizia Júlio Simon. A par do homem ignorante, a mulher portuguesa é mais ignorante ainda. Segundo o censo de 1900, há em Portugal 2.831.132 mulheres. Destas apenas 425.287 sabem ler. Percentagem de analfabetas: 85%.
No distrito de Bragança, há 12 freguesias, em cada uma das quais só uma mulher sabe ler, e em sete freguesias nenhuma o sabe. No de Castelo Branco, há 4 freguesias, onde só uma mulher sabe ler. Em 3 freguesias nenhuma sabe ler. No de Coimbra, há 3 freguesias onde nenhuma mulher sabe ler; noutras só uma, ou duas. No de Évora há 6 freguesias onde nenhuma mulher sabe ler. No da Guarda, há 13 freguesias, em cada uma das quais só uma mulher sabe ler.
«Percorrem-se 22 povoações da Beira Baixa,e num só distrito, - diz o Boletim da Associação elas Escolas Móveis (Janeiro a Maio de 1907), donde recolho estas informações - para só encontrar 13 mulheres sabendo ler!».(…)
A tarefa de instruir, que em todas as sociedades modernas constitui o cuidado especial dos governos, foi absolutamente abandonada pelos nossos. Aqui não se tratou nunca de instruir o povo, mas ao contrário - os factos o provam - de o manter sistematicamente na ignorância.
Com efeito (e para não me referir senão aos países que têm relação com Portugal pela extensão do seu território e pelo número dos seus habitantes) a Bélgica, que tem 6.693.584 habitantes, gasta por ano, com a instrução primária, 7.628 contos; a Suíça, que tem 3.315.443 habitantes, gasta 9.311 contos; a Holanda, que tem 5.104.137 habitantes, gasta 7.761 contos. Portugal, com os seus 5.016.267 habitantes, gasta apenas - 1600 contos. (…)
Governar!
Chama-se a isto governar?”.
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