segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
António Sérgio, História: a busca de um método!
António Sérgio publicou pela primeira vez o seu texto Introdução Geográfico-Sociológica à História de Portugal em 1941, há portanto 71 anos. O autor iniciou a obra com as “Divagações Proemiais ao jovem leitor sobre a atitude mental que presidirá a este ensaio”. Tentando ilustrar o conceito de História de António Sérgio, extraem-se daqui os seguintes trechos:
“Não tiro da História uma «lição moral», tal como a concebia um Oliveira Martins, e não vou a ela para lhe pedir exemplos: tomo-a como um meio dos mais adequados para nos familiarizarmos com os casos da nação presente, com as necessidades e os problemas do Portugal de agora. Penso no agora, - e na tua acção. O deixarmos aos mortos o enterrar os seus mortos e o seguirmos «avante para além dos túmulos» (como aconselhava um Goethe) é hoje mais necessário do que nunca o foi.
Para tais objectivos, serão estas páginas como que a busca de um método, como que a investigação de uma rota. Outros mais aptos farão um dia o que neste compêndio se prenunciará apenas - e imperfeitissimamente; por isso, se vires qualquer frase no decorrer do livro que pareça apresentar-se como afirmação segura, e sem a infinita humildade que condiz com a obra, faz-me tu a justiça de querer admitir que tão-só a palavra me não foi fiel. (…)
Na multidão dos factos que os historiadores referem, fiz a escolha e a ordenação que se me afigurou mais útil: e isso com o intuito de suscitar em ti a tendência a encarar o viver de outrora à luz do sociólogo e do moralista crítico, do político progressivo e do reformador social, e com o gosto de pensares sobre a história Pátria, de examinares hipóteses a seu respeito. Por isso mesmo, procurarei levar-te (quanto for possível) ao contacto directo com os testemunhos históricos que me parecerem especialmente significativos, e merecedores por isso de ponderação e de crítica (prescindindo aliás de anotações eruditas, dado o carácter popular do ensaio). (…)
O mundo das ideias, para os indivíduos cultos, é bem menos de certezas que de problemas. O mais que podemos, frequentissimamente, é enunciar um problema em mais claros termos; e como a solução de qualquer problema suscita o aparecimento de problemas novos, a consciência da problemática é o que caracteriza o sábio. O que mais vale divulgar não é pois a «ciência», não são os conhecimentos, não são as doutrinas: o que mais vale divulgar é o espírito científico, que vem a ser o mesmo que o espírito crítico. (…)
Quanto a mim, fico sempre em dúvida de que haja factos puros, qualquer dado absoluto, qualquer percepção sem ideias, - sem interpretação, sem «teoria». Quedo-me indefinidamente a interrogar-me a mim mesmo sobre se não é afinal uma concepção plausível a da autonomia construtiva do intelecto humano na edificação do mundo que nós concebemos; a de que a origem do pensar não está fora dele, e de que o seu ponto de partida já é pensar, a de que se não acha linha de limitação bem nítida entre o que apenas é «facto» e o que já é «teoria»; a de que o sujeito é inseparável do respectivo objecto, e correlativo a ele. (…)
O risco do naufrágio é necessário à rota. Não temamos o erro: que arriscarmo-nos ao erro é condição do acertar, e foi por isso mesmo que já se disse algures: «mostrai-me um cientista que jamais errasse, e mostrar-vos-ei um indivíduo que nunca descobriu cousa alguma». Pode o historiador, em circunstâncias tais, adoptar aquele dito do Poincaré: «adivinhamos o passado, como adivinhamos o futuro». Sim, disse-o bem o matemático: adivinhar o passado. É o que tentarei fazer. Claro está, todavia, que no conceito da História que inspirou este ensaio importa que submetamos ao juízo crítico - e às minúcias e pesquisas dos buscadores de fontes - todo rasgo audacioso de adivinhação, e que nos não metamos a adivinhar o pretérito para simples deleite da imaginação romanesca (como o fez tantas vezes um Oliveira Martins), senão que para buscar uma relacionação dos casos, - quer dizer, uma maior inteligibilidade do viver de outrora (…)”.
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