sexta-feira, 16 de março de 2012

16 de Março de 1974, Uma tentativa condenada ao fracasso…



No dia 16 de Março de 1974, faz hoje 38 anos, uma força do Regimento de Infantaria 5 (Caldas da Rainha) saiu do seu quartel em direcção a Lisboa, com o objectivo de participar numa sublevação militar contra o Regime. Ainda não estão completamente esclarecidas as circunstâncias em que esta acção teve lugar, embora se possam estabelecer os seus contornos gerais.
Numa sessão realizada em Coimbra em 2007, quando se perfaziam 33 anos desse evento, fui convidado a apresentar a minha visão da questão, que resumi nos seguintes tópicos:

“O 16 de Março

1º - O Movimento dos Capitães, nas vésperas do 16 de Março, estava consciente da necessidade de derrubar o regime através de um golpe de Estado.
2º - Já existiam duas tendências no Movimento. Uma mais ligada ao general Spínola que demonstrava propensão para actuar autonomamente. Outra, mais alargada, em que participava todo o Movimento, incluindo os chamados spinolistas.
3º - Os motivos de conflito entre as duas correntes, nesta época, podem resumir-se:
a. O programa de Cascais;
b. A escolha do general;
c. O plano de operações.

4º - A corrente spinolista tem tendência para a acção imediata, baseando-se no facto de ter um programa (o livro “Portugal e o Futuro”), um chefe (o general Spínola) e um grupo de fiéis aderentes muito qualificados e experientes militarmente.
5º - A corrente autónoma (chamemos-lhe assim) em que curiosamente a corrente spinolista participava, tem já um programa (o documento de Cascais), mas tem o compromisso de elaborar um Programa Político dele resultante, com objectivos muito concretos, tem dois chefes (sendo que o maioritário – Costa Gomes – não dá sinais de apoiar decididamente a operação de derrube do regime) e procura elaborar um plano de operações que está longe ainda de satisfazer a maior parte dos responsáveis pela operação.
6º - Com base nas informações do general Spínola, no seu livro “Portugal sem Rumo”, a corrente spinolista reúne com certa frequência, por vezes com a presença do general. Depois do cancelamento do dia 14 pelas razões que aqui já foram referidas, o general Spínola estava convencido que a “operação” podia realizar-se no dia 19 de Março. Tenho a convicção que os seus apoiantes partilhavam desse plano.
7º - O general Spínola manteve sempre a ideia, mesmo depois do 16 de Março, de que os seus apoiantes dominavam a preparação e iriam conduzir a execução do movimento militar.
8º - O 16 de Março causa grandes danos à corrente spinolista, em virtude não só de inviabilizar um provável plano de execução da “operação” para 19 de Março, mas também porque levou à prisão alguns dos seus mais importantes elementos e da desmoralização de outros, assim como eleva o nível de vigilância do regime (através da DGS) sobre o próprio general.
9º - O 16 de Março permite ao Movimento tirar ilações sobre as fragilidades dos meios e da forma de defesa do regime e exerceu sobre o Movimento uma pressão definitiva, no sentido da irreversibilidade de uma acção violenta contra o regime.
10º - O 16 de Março ocasionou também a transferência de vários oficiais para diversas unidades espalhadas pelo país, assegurando a difusão da ideia matriz do Movimento – o derrube do regime é a questão prioritária.
11º - A forma como o 16 de Março decorreu convenceu finalmente todos, incluindo a corrente spinolista, de que era fundamental planear detalhadamente a acção militar, por forma a evitar surpresas e a convencer os operacionais.
12º - É de realçar que o regime assumiu que o tão temido movimento militar (que já se sabia ter centenas de comprometidos) não tinha capacidade para criar sérias dificuldades ao governo e ao regime – afinal a acção desencadeada nem tivera apoio militar, nem apoio popular.
13º - É um facto que o regime não alterou uma vírgula à sua política colonial, apesar de os acontecimentos terem tido, porventura, alguma influência na pressa de realizar um encontro secreto entre um representante do Governo português e representantes do PAIGC em Londres, que teve lugar em 26 e 27 de Março, aliás sem resultados.

Finalmente:
1 – O 16 de Março é um movimento preliminar, em relação ao 25 de Abril. Tem paralelo histórico com o 31 de Janeiro de 1891 em relação à implantação da República, mas também com o movimento de Gomes Freire de Andrade de 1817, antes do 24 de Agosto de 1820; e com o 18 de Abril de 1925, antes do 28 de Maio de 1926, para só citar os mais importantes.
2 – O 16 de Março é uma acção não planeada, que sai à rua precipitadamente, em resultado de um encadeamento de equívocos. Poderia pensar-se que ninguém planeia uma acção militar desta dimensão para um sábado, mas até nesta conclusão é necessário ter cuidado. De facto, as três tentativas preliminares de que acabei de falar e que foram todas derrotadas – o 31 de Janeiro de 1891, o 18 de Abril de 1925 e o 16 de Março de 1974, são todas a um sábado. Tive o cuidado de verificar os dias da semana de vários outros movimentos vitoriosos da nossa História recente. Ora vejamos:

24 de Agosto de 1820 – revolução liberal – foi terça-feira;
27 de Maio de 1823 – movimento miguelista da Vilafrancada – foi terça-feira;
30 de Abril de 1824 – novo movimento miguelista da Abrilada - foi sexta-feira;
9 de Julho de 1832 – desembarque no Mindelo da força liberal – foi segunda-feira;
9 de Setembro de 1837 – Revolução Setembrista – foi sexta-feira;
27 de Janeiro de 1842 – golpe de Estado de Costa Cabral no Porto – foi quinta-feira;
19 de Maio de 1870 – última saldanhada – foi quinta-feira;
5 de Outubro de 1910 – revolução republicana – foi quarta-feira;
21 de Janeiro de 1915 – movimento das espadas – foi quinta-feira;
5 de Dezembro de 1917 – movimento sidonista – foi quarta-feira;
28 de Maio de 1926 – foi sexta-feira;
3 de Fevereiro de 1927 – primeiro movimento contra a ditadura militar e único movimento derrotado de todos os que acabo de referir – foi quinta-feira;

E vejamos aqueles que nos dizem mais respeito:
14 de Março de 1974 – Primeira data de uma “operação” – era quinta-feira;
19 de Março de 1974 – data da “operação” referida pelo general Spínola no “Portugal sem Rumo” – era terça-feira;
16 de Março de 1974 – foi sábado;
25 de Abril de 1974 – foi quinta-feira.

Recomendação: quando planearem um novo movimento militar nunca o façam num sábado. Podemos dizer que é uma lição da História.

Em conclusão:
Não é sustentável a ideia de que o 16 de Março foi um movimento spinolista. É verdade que não o foi, mas quem estava em melhor situação de aproveitar um movimento vitorioso, nessa altura, era o grupo spinolista. Também por isso foi o que ficou mais exposto a um desaire.
O 16 de Março foi fundamental para moldar a forma que assumiu a intervenção militar em 25 de Abril de 1974”.

3 comentários:

  1. Excelente fresco histórico sobre um acontecimento que sempre me cativou pelas suas razões, tendo julgado, algumas vezes, ter-se tratado de uma manobra de diversão preparatória do 25 de Abril. Mas quem viveu esta época, "por dentro", participando activamente na preparação do golpe, saberá, com certeza, interpretar melhor algo que permanece ainda na penumbra da história, sendo que, atendendo ao tempo decorrido, a sombra começa a desvanecer-se. É por isto que a história é bela, não apenas como ciência mas também como cultura geral de vidas e acontecimentos nem sempre aceites ou compreendidos.

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  2. Com surpresa leio agora que o 16 de Março não foi um movimento spinolista. Mas também há pouco tempo fui surpreendido com a participação do Otelo nesse movimento e que não houve a preocupação de o esconder para não perturbar a preparação do 25 de Abril. Eu estava na Guiné no dia 16 de Março e recordo-me de o Major Mensurado (páquedista e spinolista) me dizer, muito desolado: - Golias, estamos perdidos! E eu de lhe responder: - não te preocupes, isto deve ter sido só um ensaio! O certo é que ele sabia do 16 de Março e eu não:

    Jorge Sales Golias

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  3. Acho que devo esclarecer melhor o que quis dizer, ou melhor, o que me parece. De facto, o 16 de Março não é "O" golpe desejado pela corrente spinolista, mas muito menos foi um golpe do MFA. Perguntar-se-à: então foi o quê? A resposta remete-nos para uma das minhas anteriores conclusões - foi um conjunto de equívocos... A primeira vez que escrevi sobre o 16 de Março foi para a História Contemporânea de Portugal (Vol.II do Estado Novo), editada em 1985. Pouco tenho a alterar ao que aí disse. Uma das base da minha reconstituição foi o texto sobre o assunto publicado pelo general Spínola, no livro "Portugal sem Rumo", em 1978, pp. 97-102, onde fica claríssima a conspiração dos spinolistas dentro da conspiração do Movimento, incluindo a marcação da "operação" para o dia 19 de Março. Tenho a ideia, desde então, que o 16 de Março acabou por interferir negativamente nos planos spinolistas... e facilitar o planeamento da operação pelo MFA.

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