quinta-feira, 14 de julho de 2011

Carta a Salazar!

No dia 13 de Julho de 1958, faz hoje 53 anos, D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, escrevia uma carta a Salazar, que lhe valeria o exílio.

D. António expressava-se desta maneira, a certa altura da sua carta:

"Todos estamos de acordo em que há dois problemas fundamentais, sem cuja solução não poderá haver paz social, sejam quais forem as aparências.
O primeiro é que os frutos do trabalho comum devem ser divididos, com equidade e justiça social entre os membros da Comunidade, quer no ponto de vista dos indivíduos, quer no dos sectores sociais (e aqui podemos pensar especialmente na lavoura e na miséria dos trabalhadores do campo).
O segundo é que, seja qual for o conforto ou riqueza que se atribuam a um indivíduo ou a uma classe, nunca eles estarão satisfeitos enquanto não experimentarem que são colaboradores efectivos, que têm a sua justa quota parte na condução da vida colectiva, isto é, que são sujeito e não objecto na vida económica, social e política.
Quando o exame se impõe, parece que as críticas negativas do primeiro ponto são unânimes, quer elas partam de oposicionistas ou situacionistas.
Quanto ao segundo ponto, quase não se fala, o que poderá talvez compreender-se por a negatividade do primeiro barrar o caminho ao segundo. E no entanto talvez a incompreensão para o segundo seja a causa do que no primeiro é clamoroso e parece inexplicável e insolúvel. Porquanto, na melhor das hipóteses, encontramos entre nós apenas o paternalismo paternal. Ora é já hoje mais que evidente que o mundo operário e camponês não podem ser educados pelo patronato. Não podem nem querem; e temos de lhes reconhecer a razão por mais que desejemos e preguemos o bom sentido social dos patrões, onde essa compreensão exactamente devia começar. E nem será necessário para isso lembrar como muitas vezes essa «educação» facilmente se transforma em «ensino» e depois em «ensinadela».
Patrões muito «bons» e muito «católicos», com toda a naturalidade nos falam esta linguagem, a nós bispos, como se nós houvéssemos de aprovar autênticas declarações de guerra social. Se a não podemos aprovar do lado menos responsável, havemos de a aprovar do lado mais capaz, mais obrigado e mais responsável?
Que o Estado venha educar ou «ensinar» os trabalhadores também é do maior melindre. Não seria preciso vivermos numa época de «suspeição ideológica» para que os operários desconfiassem do favor; na situação presente, é quase fatal que o operariado veja, como vê, no Estado o aliado do patronato.
Mas será realmente o Estado uma sociedade «docente»? Parece que em todo o mundo não-totalitário essa noção errada desaparece com grandes vantagens em todos os domínios, principalmente no do trabalho".

D. António foi forçado a exilar-se logo no dia 24 de Julho, tendo vivido em Espanha, Alemanha e França, e só foi autorizado a regressar a Portugal por Marcelo Caetano, sucessor de Salazar, em 1969, onze anos depois!

1 comentário:

  1. Homem de coragem,livre,culto,profundamente interessado na mudança,sempre preocupado em "edificar educando",sobre ele escreveu Sophia de M.B.Andresen:

    Fortaleza era o homem -o Bispo-
    Alto e direito firme como torre
    Ao fundo da grande sala clara:fortaleza
    De sabedoria e sapiência
    De compaixão e justiça
    De inteligência a tudo atenta
    E na face austera por vezes ao de leve o sorriso
    Inconsútil da antiga infância

    Odete M.

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