quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Jaime Cortesão, A História e o Historiador


Jaime Cortesão publicou o seu livro Os Factores Democráticos na Formação de Portugal em 1930, há portanto 82 anos. O texto introdutório do estudo chama-se “A História e o Historiador”, e aí se define o conceito de História do seu autor. São dessa introdução, os seguintes trechos:

“A história de cada povo, humildemente escrita, quer na glória dos seus feitos e virtudes, quer na contrição dos seus erros e defeitos, das suas Aljubarrotas e dos seus Alcácer-Quibires, não pode e não deve ser a contemplação estática do passado, mas um impulso, uma promessa, um pacto de vida para o futuro. O fim da história, considerada como ciência humana e humanística, não é uma regressão ao passado, mas uma explicação do presente, uma arte de prever e uma promessa de excedência. (…)
É costume dizer-se (…) que não há história sem documentos. Sem dúvida. Mas com a seguinte reserva: não há documentos sem história. Queremos dizer: as fontes do passado devem ser lidas à luz da cultura geral que as ditou e dos interesses, confessados ou ocultos, que podiam mover a pena do autor e obrigá-lo a deformar ou a calar a verdade. Buscar e descobrir documentos é excelente. Saber interpretá-los é mais e melhor. Para esta segunda parte do trabalho da obra histórica torna-se indispensável não só conhecer a vida, mas possuir um sentido e uma filosofia da vida. Durante várias décadas nos demos com igual paixão a essas duas tarefas. Várias décadas, repetimos. (…)
Durante as nossas demoradas e repetidas estadas em Espanha, França, Itália, mais de passagem em Bruxelas e Londres, e muito longamente no Brasil, fomos assíduos frequentadores de arquivos. Vivemos também intensamente a vida, o que não ensina menos que os livros e os documentos. Possuiu-nos em todos os tempos a paixão do investigador, quer na clausura e silêncio das bibliotecas, quer no teatro e tumulto do mundo exterior.(…)
Destarte nos debruçámos longos anos sobre catálogos, códices, pergaminhos e velhos papéis ou mapas delidos e desconhecidos, mas buscando sempre lobrigar por detrás do documento seco a fonte viva dos indivíduos e das multidões, que afundaram os alicerces instáveis da história e acenderam a cambiante de luz própria e fugidia, em que os antepassados desenharam seus vultos. Preocupou-nos sempre e conjuntamente a face da vida extinta do passado e a da vida do presente, para explicarmos uma pela outra. E quanto mais tentávamos compreender a segunda, mais descobríamos na sua estrutura as estratificações indeléveis da primeira.
A história, vista a esta luz, é e deve ser uma escola de formação moral. A averiguação do facto, na sua identificação real, acarreta consigo o amor da verdade e a repulsa da mentira; ensina a relatividade do humano e o respeito pela diversidade alheia; e torna-se uma lição permanente de compreensão e dignidade”.

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