segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Alberto Sampaio, A prosperidade aparente!


Alberto Sampaio, historiador, pioneiro dos estudos de história económica e social em Portugal, publicou, em Janeiro de 1892 (Guimarães), há portanto 120 anos, uma obra com o título Ontem e Hoje, de que se extraem os seguintes trechos:

“Sustado no meio do seu desenvolvimento, Portugal nunca pôde na administração pública compensar a receita com a despesa, nem economicamente estabelecer o equilíbrio entre a produção e o consumo, de forma a tomar-se um organismo, satisfazendo-se todas as exigências da vida social. Por isso sucedem-se amiúdo as catástrofes que a população expia em silêncio; por isso os melhores tempos são sempre de uma prosperidade aparente, porque dependem de condições fortuitas, fora da sua acção.
(…)
Poder-se-ia entrar definitivamente na vida moderna, sem se tratar a sério das duas questões fundamentais em que ela assenta - o trabalho que cria as riquezas nas suas múltiplas manifestações, desde a lavoura até às indústrias artísticas, e o ensino que ilumina o espírito? Se fosse possível a afirmativa, Portugal teria sido uma excepção singular em todo o mundo; mas não é, porque, pode afirmar-se sem erro, de não ter entrado ainda na vida das nações progressivas, cujas exterioridades tem somente imitado.
Os novos personagens políticos, derrubando todas as antigas instituições, vestiram-no efectivamente à moderna; deixaram, porém, persistir nos indivíduos a rudeza e a indiferença pelos negócios públicos, e na nação o crónico desequilíbrio económico (…)
(…)
Mas querer que fosse doutro modo será exigir mais do que a natureza pode dar. Cada país tem o governo que lhe é adequado; e a sociedade portuguesa, sustada em meio do desenvolvimento, nunca chegou a ser um organismo colectivo, vivendo do seu trabalho, com ideal político comum, capaz de se raciocinar e exprimir uma vontade geral. Ela constitui sem dúvida uma excepção na Europa. Ontem como hoje, tem sido sempre uma sociedade de aventureiros. Emudecida sobre as questões referentes ao bem da comunidade, só a interessam a emigração e as aventuras de além-mar. O que cada um deseja é que o deixem sair; lá fora será então um homem, e mostrará toda a perseverante energia do seu carácter; enquanto aqui, na sua terra, deixa-se ir à mercê das ambições dos que tomaram o poder e levantaram o cenário que mais lhes agradava.
Por isso, quando aparecem estas situações de miséria e penúria, constantes na sua história, a população resigna-se e sofre tudo; ou emigra, acostumada como está à aventura. Punge-lhe, sem dúvida, o remorso de ter deixado de procurar nas épocas de abundância a estabilidade definitiva na mais estrita parcimónia das despesas públicas, no equilíbrio da produção e consumo, e na cultura desses desertos que serão sempre a vergonha dos habitantes deste canto do mundo. Nos momentos de crise é tarde; fundas economias na administração geral aumentariam mais o número dos desempregados, e para a reorganização do trabalho falta o capital; falta o tempo, porque a fome bate implacável à porta do pobre. Então a emigração é o único expediente para ele; silenciosamente e resignadamente cada um vai partindo sem talvez uma palavra de amargura. Os que ficam acalentam no fundo do coração sobre todas qualquer esperança que não dependa da actividade colectiva (…). E todos esperam, no meio de ruínas, que volte a bonança para repetirem, mais uma vez a mesma norma de vida do passado”.
Guimarães, Janeiro de 1892

Ver mais sobre a vida e a obra de Alberto Sampaio: http://www.albertosampaio.blogspot.com/search/label/Obra

1 comentário:

  1. inacreditável como estas palavras têm mais de 100 anos... e continuarão a valer daqui a mais outros 100? será possível?

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