quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

António Sérgio, Os partidos e os chefes...


A partir de 1927, há portanto 85 anos, António Sérgio escreveu, do exílio, uns textos a que chamou “Notas políticas”. De entre elas, queremos destacar uma sobre os partidos políticos e os respectivos chefes, escrita em Paris, que começa assim:

“Creio que o carácter mais deplorável das discussões políticas portuguesas provém do aspecto de questão pessoal sob que vemos todas as cousas, e da concepção estreita e negativista que entre nós se tem do partidarismo.
De aí resulta que o partidário se não identifica com uma dada ideia, mas sim com os seus chefes; que qualquer crítica a um acto dos chefes é sempre recebida pelo partidário, não com a serenidade e compreensão com que se deve receber a divergência de ideias, mas com as explosões com que os mais impulsivos recebem o insulto pessoal; e que o cidadão simples e não partidário, o indivíduo que se interessa pela cousa pública e que pretende fiscalizar aqueles que governam, - mas sem ter desejos de governar ele próprio ou de apoiar por sistema qualquer governante - é espécie de homem que ninguém entende, a ponto de não perceberem, por exemplo, que discordemos do chefe A em certo acto, mas que concordemos com ele em outros casos, ou discordemos dos actos do senhor A sem que lhe votemos por isso um imenso ódio (e não só a ele, mas a todo o partido), e sem que discordemos no só intuito de «fazermos o jogo» do chefe B, adversário político do chefe A.
Parece-me isto tanto mais nocivo, quanto impede a existência e desenvolvimento daquilo que é talvez o mais necessário para carrilar a vida da nossa política, isto é, a influência efectiva dos não partidários, - a fiscalização dos homens que nos governam, não só por parte dos seus adversários, filiados nos partidos que não estão no governo (os quais são impelidos, por via de regra, a um ataque geral e sistemático, falho de imparcialidade e de justiça), mas pelo cidadão de boa vontade, não filiado em nenhum partido, sem sectarismo e sem paixão, e capaz de apoiar em certos casos, e de contrariar em outros casos, o mesmo partido ou o mesmo chefe”.

Nota: A crónica era sobretudo dirigida aos políticos republicanos, muitos dos quais se encontraram no exílio depois do 28 de Maio, no sentido de todos reconhecerem que, a partir de então, só poderia haver um inimigo – a ditadura militar instalada em Portugal.

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