domingo, 26 de fevereiro de 2012

Diário de Lisboa, Os assuntos militares devem ser estudados como problemas nacionais…


No dia 20 de Dezembro de 1924, já fez portanto 87 anos, o Diário de Lisboa publicou um editorial sobre o exército (na época queria dizer forças armadas) absolutamente notável, pela exactidão de pensamento, de análise, e mesmo de previsão, numa altura em que a segunda guerra mundial estava ainda a 15 anos de distância. Como se constata, é uma lição de jornalismo, de bom senso e mesmo de patriotismo. Por me parecer verdadeiramente actual, aqui o transcrevo, na íntegra:

“O Exército
Os assuntos militares devem ser estudados como problemas nacionais, sempre fora das sugestões duma política pouco escrupulosa nos meios para chegar aos seus fins.
É necessário proteger a defesa do país contra as ambições dos homens que agitam na sua mente planos sacrílegos, sob a aparência de patrióticos.
Apesar de se dizer que vamos brevemente entrar numa grande época de paz, achamos prudente não ligar muito crédito a tão sedutoras esperanças.
Portugal não pode resignar-se a aceitar das mãos dos outros o traçado do seu destino, porque abdicaria da missão que lhe compete, aquém e além das suas fronteiras.
Não está no ânimo de nenhum português tomar atitudes provocadoras e bélicas contra qualquer povo.
Mas seria rematada loucura que, fiados na nobreza dos nossos sentimentos, não nos preparássemos para manter íntegro e inviolável o nosso território, salvaguardando com a independência o culto da própria dignidade.
Não falta já quem preveja o próximo rompimento de uma nova guerra.
Embora não tenhamos uma crença bastante forte na bondade das nações, reputamos precipitadas estas profecias.
A paz em que vivemos encontra-se ainda sob a inspiração de Marte; as lutas não cessam, os conflitos eternizam-se, porque a Europa perdeu o seu velho equilíbrio, tanto sob o ponto de vista moral e intelectual como social e económico.
Spengler afirma que, em épocas como a nossa, não é a lei que governa os homens, mas os seus instintos.
Isto é uma incontestável verdade, sobretudo se prestarmos atenção à fraqueza das várias políticas nacionais, que todas se mostram inferiores à tarefa de reorganização que lhes incumbe.
Pondo de parte a questão social que hoje reveste um aspecto mundial, resta-nos ainda uma larga margem para surpresas de carácter internacional.
A última grande guerra não trouxe soluções, mas sim desilusões.
Quem se bateu, sente a desconfiança de haver arriscado a vida inutilmente.
Os vencedores abraçam uma vitória sem esperança; os vencidos vêem na sua derrota o suplício vão da sua força.
As cóleras rugem, as ameaças trovejam.
Poderá a Europa viver longamente nesta situação, sem quebrar as amarras do seu cativeiro?
Respondam os homens que conhecem a história e a lógica das suas lições: quando uma guerra não liquida os problemas que a originaram, outra guerra se encarrega disso.
Parece-nos pois que a reorganização do nosso exército se impõe como um caso de urgência, tanto mais imperioso quanto é certo que nós pertencemos ao número dos povos, cuja neutralidade nunca ficará isenta de perigos e danos”.

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