Em 23 de Outubro de 1846, faz hoje 165 anos, António Rodrigues Sampaio publicou um texto clandestino que mais tarde incluiu na abertura da “Nova Edição de O Espectro”, com o título de “O Estado da Questão”:
“Estão em luta, estão em presença dois princípios rivais – o popular, o revolucionário com toda a seiva da vida, com todos os elementos de ordem, com todas as condições de governo, com todas as esperanças do país, e o governo pessoal com todas as tendências retrógradas, com todas as inclinações do despotismo, com todas as pretensões individuais, querendo dominar e corromper o corpo eleitoral, avassalar o parlamento, e assenhorear-se dos destinos da nação.
O estado de indecisão não pode durar muito, a batalha vai ferir-se, a questão vai resolver-se. Qual será o seu resultado? Qual a sua influência? Examinemos ambas as hipóteses.
Se o governo pessoal triunfar, a consequência é que o sistema representativo morreu. A coexistência destes dois princípios é impossível, um exclui necessariamente o outro. O rei não consulta senão a sua vontade, as ambições dos áulicos, as vozes dos intrigantes, as vinganças mesquinhas.
A câmara, se a houver, será uma câmara de funcionários vendidos – será o despotismo hipócrita com os trajes da liberdade.
Se essa câmara, por excepção, quisesse ser livre, não o poderia ser. A vontade caprichosa da corte, dessa corte sem coração e sem cabeça, dessa corte arrogante na prosperidade, abjecta na desgraça, prevaleceria sobre a vontade das suas criaturas.
Mas o governo pessoal não triunfa, e o princípio revolucionário vai suplantá-lo.
(…)
O rei pode assistir à luta dos partidos sem entrar nela – deve-o fazer. A sua missão não é descer à estacada, não é atiçar os ódios, acender as vinganças, é acalmá-los e dar o prémio ao vencedor. O rei que lança a sua espada na concha de uma das balanças dos partidos não é rei constitucional, é um faccioso. O rei só tem um termómetro que o guie – é a maioria parlamentar filha de uma eleição verdadeiramente nacional.
A conspiração da tenebrosa noite de 6 de Outubro foi obra da corte – o governo pessoal triunfou aí do governo revolucionário que o país tinha instituído - o país reagiu e vai intimar à corte facciosa a sua vontade soberana.
(…)
Em conclusão:
Ou a revolução há-de sucumbir (...) ou a rainha há-de abdicar (…)
Qualquer outro desfecho não é acabar a guerra, é prolongar a sua duração – é sujeitar a liberdade a maiores riscos, a dinastia a grandes perigos, e o país a convulsões que podem decidir a sua existência.
Este é o estado da questão.
Lisboa, 23 de Outubro”.
Nota: Em 6 de Outubro de 1846 ocorreu um golpe de Estado (que ficou conhecido como A Emboscada) dirigido de Madrid por Costa Cabral e levado a efeito por Saldanha com o apoio de D. Maria II, que conduziu à exoneração do duque de Palmela.
Ver aqui a revista O Espectro: http://www.archive.org/details/oespectro00samp
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