terça-feira, 25 de outubro de 2011

Cartilha do Povo

Em 1896 (sem data exacta), faz agora 115 anos, José Falcão publicou a sua Cartilha do Povo, diálogo entre José Povinho e João Portugal, que a certa altura diz o seguinte:
"(...)
José Povinho - Como há-de o Povo livrar-se de tantos males? O Poder tem na mão todas as armas, todas as fortalezas, todos os que sabem, todos os ricos, o nosso dinheiro, e o que hão-de gastar os nossos filhos e os nossos netos até à última geração. Dizem que o rei, os ministros, os mandões, nos levam trinta mil contos por ano, e já comeram quinhentos mil contos emprestados que os nossos vindouros hão-de pagar. Estamos condenados ao trabalho e à pobreza; e é esta herança de miséria e de fadigas que havemos de legar aos nossos filhos! Quem afastará de nós este cálice de amarguras e de escravidão?

João Portugal - Não desanimes, meu irmão. Quem arroteou estes campos? Quem edificou as aldeias e as cidades? Quem rasgou as estradas? Quem lança as pontes por cima dos rios? Quem faz a manobra a bordo do navio no alto mar? Tu julgas que o Povo é fraco? Como te enganas. É o braço do Povo que extrai o ferro e o carvão das entranhas da terra. Somos nós que tecemos o pano, que fundimos o ferro, que derrubamos o carvalho na montanha, e encanamos as torrentes para a seara que nos dá o alimento. O Povo é um gigante que fez todas as maravilhas do mundo, e só descansa do seu rude trabalho quando adormece nos cemitérios, ou quando vai buscar a morte aos campos de batalha, nessas guerras ateadas pelos reis, em que o nosso sangue corre em ondas para matar a sede das suas ambições. Mas a nossa hora aproxima-se. Havemos de ser livres, sem derramar o sangue dos nossos inimigos; havemos de vencê-los com armas pacíficas e inocentes; depois da vitória havemos de ter caridade. Com os vencidos repartiremos os espólios da luta. Fundaremos uma sociedade em que só haja trabalhadores livres, iguais e irmãos.

José Povinho - Bendito seria o homem que pudesse ensinar o Povo a alcançar essa ventura de que falas.

João Portugal - Essa ventura está fechada na mão do Povo, é preciso apenas querer. Os nossos inimigos havemos de exterminá-los com balas de papel. Vêm aí as eleições. Quando as autoridades, os ricaços, os mandões vierem pedir o nosso voto, digamos todos: o nosso voto é para a República. Eles então prometem tudo: livram os nossos filhos de soldado; a um prometem despachá-lo para a polícia; a outro para a Câmara; a outro para as obras públicas; aos mais graúdos para as alfândegas; prometem o céu e a terra; e aos mais pobres chegam a oferecer-lhes dinheiro! Os miseráveis querem comprar o Povo! Eles venderam-se aos ministros, e pensam que o Povo é da laia deles. Se nos compram com o dinheiro do tesouro, é o nosso dinheiro que eles roubam, para comprar as consciências enfraquecidas pela fome; se nos querem comprar com o dinheiro deles, é porque esperam então fazer grande negócio com o nosso voto. É preciso cuspir-lhes na cara. O Povo não se vende.
O Povo não se vende.
(...)".

José Falcão, Cartilha do Povo, V.N. Famalicão, 1896.

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