segunda-feira, 25 de junho de 2012

Melo Antunes, Guerra injusta e guerra perdida...


No dia 25 de Junho de 1970, faz hoje 42 anos, realizou-se na Cooperativa de Estudos e Documentação, em Lisboa, um colóquio com o título “Reflexões sobre uma experiência pessoal” dirigido pelo capitão Ernesto de Melo Antunes.
Durante este colóquio foram abordados vários problemas ligados ao Exército e às Forças Armadas. Melo Antunes afirmou que “no regime fascista que nos governa os generais têm, através do Estado Maior General, influência decisiva na solução dos problemas militares, concentrando em si, nos bastidores, grande parte do poder político, perante o qual o próprio chefe do governo tem de se vergar”.
Melo Antunes disse que a guerra colonial era uma guerra injusta e era, além disso, uma guerra perdida. Criticou severamente a tese do governo de que a guerra do ultramar era benéfica para a economia do país e afirmou que não era verdade o boato de que a maioria dos oficiais estivessem materialmente interessados em fazer a guerra.
Melo Antunes exprimiu a opinião de que a solução da guerra só podia ser política – uma opinião partilhada pelos assistentes, onde a DGS destacou Pedro Coelho e Fernando Oneto.
Para Melo Antunes, a democratização das Forças Armadas só podia ser realizada com a queda do regime.

Quando eu e o Carlos de Matos Gomes publicámos a 1ª edição de Os Anos da Guerra Colonial decidimos dedicar a obra a Melo Antunes, através de um texto que servia, ao mesmo tempo, de introdução. O texto original, por motivo da menor disponibilidade de espaço, veio depois a ser truncado na edição seguinte, pelo que nos parece oportuno publicá-lo aqui, neste dia em que passam 42 anos depois da realização do colóquio referido.

«MELO ANTUNES – UMA HOMENAGEM SENTIDA
É muito raro na história de qualquer povo um homem reunir em si a coragem física, a coragem moral e a coragem histórica. Ernesto Melo Antunes foi um dos raros portugueses em que essas virtudes se entrelaçaram para fazerem dele o grande homem que indubitavelmente é.
Combateu de armas na mão e com coragem reconhecida, numa guerra que ele sabia injusta e injustificada, granjeando o respeito dos seus camaradas; combateu politicamente o regime responsável pela guerra, assumindo como cidadão os riscos da atitude ética e moral da luta pela democracia e pela liberdade; e, por fim, teve a coragem histórica de assumir as responsabilidades pelo fim da guerra e do colonialismo português.
Ao dedicarmos esta obra a Ernesto Melo Antunes estamos a dar o nosso modesto contributo para o colocar na galeria de grandes figuras, onde ele devia ter lugar destacado, e para lhe agradecer, como portugueses e como militares, o seu excepcional contributo para que Portugal seja hoje uma nação respeitada e dignificada. Todos devemos a Ernesto Melo Antunes a possibilidade de decidir os nossos destinos em liberdade.
O texto que publicamos a seguir, o relato de um informador sobre uma conferência que Melo Antunes proferiu em 1970, é um extraordinário documento que revela o melhor e o pior de nós e de Portugal. De um lado, a coragem, a grandeza, a generosidade, a dignidade de um militar que, além da luminosa clarividência com que via o futuro de Portugal e da guerra colonial, desafiava um regime ignóbil de mãos nuas, apenas armado da sua inteligência e força de carácter; do outro o repugnante delator, o mesquinho agente infiltrado que trai aqueles que lhe abriram a porta, um ser sem nome.
É, contudo, a esse ser, a esse sabujo do regime, certamente treinado a reproduzir de memória as palavras incómodas, que devemos o documento excepcional que é a conferência de Melo Antunes.
Registe-se ainda como digna a atitude do então Ministro da Defesa, Sá Viana Rebelo, que mandou secamente arquivar o papel delatório, preferindo o militar oposicionista ao verme da situação.
Nós, os autores, sentimo-nos particularmente honrados em prestar este modesto tributo a Ernesto Melo Antunes, trazendo a público este texto, nesta obra sobre os Anos do Fim. Ele serviu-nos de exemplo e só podemos desejar que inspire também outros como nos inspirou a nós.

“No dia 25 do corrente, realizou-se na Cooperativa de Estudos e Documentação, pelas 21.30 horas, um “colóquio” sob o título de “REFLEXÕES SOBRE UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL”, dirigido pelo Capitão ERNESTO DE MELO ANTUNES, tendo como animadores os dirigentes da Cooperativa, FERNANDO ONETO e Dr. PEDRO COELHO.
Durante este "colóquio" foram abordados vários proble­mas ligados ao Exército, ou melhor, às Forças Armadas, quer em países estrangeiros, como os Estados Unidos, quer em Portugal, especialmente no que diz respeito à maior ou menor influência que o Exército tem junto dos respectivos Governos.
Quanto aos Estados Unidos, o Capitão ANTUNES referiu-se largamente à decisiva influência que o Pentágono, isto é, os Gene­rais e o Estado Maior exercem sobre as decisões do Governo de Nixon, quanto à guerra do Vietnam. Afirmou que os Generais americanos, isto é, o alto Estado Maior, estavam estreitamente ligados às gran­des fábricas de armamento, fornecedoras do Pentágono, muitos per­tencendo aos seus Conselhos de Administração. Criticou severamente a política do presidente Nixon, quanto à guerra do Vietnam, que classificou de imperialista.
Depois de várias considerações sobre as Forças Armadas de diversos países da Europa, abordou o caso de Portugal.
Afirmou que o Exército exerce no nosso País, forte in­fluência junto do Governo e do seu chefe.
No regime fascista que nos governa, disse, os gene­rais, através do Estado Maior General, dispõem de influência deci­siva na solução dos problemas militares, concentrando em si, nos bastidores, grande parte do poder político, perante o qual o pró­prio chefe do Governo tem de se curvar.
O regime e o Governo são, de facto, dominados pelos oficiais generais, pois são eles que fazem a guerra no Ultramar, e as suas exigências são ordens para o Governo. As necessidades da guerra colonial são cada vez maiores, em homens e material, disse, e os altos comandos coloniais impõem a sua vontade ao Governo.
O regime de MARCELO CAETANO é, de facto, uma ditadura militar. O Governo, devido à guerra colonial está, presentemente, forte­mente influenciado pelos militares, que, através dos Estados-Maiores Generais, aqui e no Ultramar, impõem as suas decisões.
Ultimamente, disse, os generais que estão à frente dos altos Comandos no Ultramar exigiram ao Governo a compra urgente de helicópteros, para melhor controlarem as operações militares e a actividade dos terroristas.
O Governo curvou-se perante as exigências dos generais, disse, e comprou 120 helicópteros de 5 lugares e 20 outros de maior lotação semelhantes aos usados pelos americanos no Vietnam.
O nosso Corpo de Estado-Maior General é constituído, na sua maioria, por elementos reaccionários e conservadores, verdadei­ros burocratas, vaidosos e comodistas, que se limitam a dar ordens, na sua maioria, confortavelmente instalados nos seus confortáveis gabinetes, em Bissau, Luanda ou Lourenço Marques, enquanto os ofi­ciais das diversas armas se batem na frente, pelos interesses in­confessáveis dos "tubarões" que enriquecem à custa do esforço militar colonial.
Há guerras justas e injustas, disse. A nossa guerra colonial é uma guerra injusta. E é, além disso, uma guerra perdida.
Criticou severamente a tese do nosso Estado-Maior Gene­ral, segundo a qual a guerra do Ultramar tem sido altamente benéfica para a Economia do País, permitindo a criação de novas indústrias e o desenvolvimento de outras, ligadas ao esforço de guerra. Contestou também a afirmação de que as consideráveis somas de di­nheiro, movimentadas pelos vencimentos dos soldados e oficiais destacados no Ultramar, têm tido vantagens na Economia das nossas Pro­víncias Ultramarinas, pois a maior parte das referidas somas são enviadas ou ficam na Metrópole.
Afirmou, ainda, que não era verdadeiro o boato de que a maioria dos oficiais combatentes no Ultramar estivessem mate­rialmente interessados em fazer a guerra, levados unicamente pelas vantagens de ordem material.
Isso não é verdade, pois a guerra colonial é deveras perigosa e esgotante, tanto moral como fisicamente. E os vencimen­tos dos oficiais em missão no Ultramar não são tão elevados - muito pelo contrário - que compensem os terríveis riscos e esforços que a guerra colonial impõe aos combatentes. Pelo menos, posso a­firmar, disse o Cap. MELO ANTUNES, que não é esse o caso dos oficiais de média patente - de capitão a tenente-coronel - que cumprem patrioticamente o seu dever de soldados, com verdadeiro espírito de sacrifício.
Na opinião do Cap. ANTUNES a solução do problema colo­nial só pode ser política, opinião perfilhada por todos os presen­tes! Militarmente, disse, nunca poderemos vencer a guerra colonial.
O prolongamento do esforço militar no Ultramar está esgotando gravemente a economia do País e sacrificando, ingloria­mente, milhares de jovens, entre mortos e mutilados, em defesa du­ma causa sem futuro e condenada ao malogro.
O próprio chefe do Governo não ignora esse facto, mas agora é demasiado tarde para ele recuar ou negociar.
Isso significaria a sua queda e a do regime.
O Cap. MELO ANTUNES referiu-se também a uma eventual democratização do Exército. Afirmou categoricamente que isso é impossível, presentemente. Por um lado, o País está em guerra e o Exército encontra-se, na sua grande maioria, em missão de combate no Ultramar, com os oficiais sujeitos a uma severa disciplina e li­gados aos seus deveres militares.
Por outro lado, o País é presentemente governado por um governo fascista, que é de facto uma ditadura militar, estando os oficiais democratas estreitamente vigiados e controlados pelas polícias militar e política (sic).
O verdadeiro poder, militar e político, está de facto, afirmou, nas mãos de um reduzido grupo de oficiais generais das Forças Armadas em altos postos de chefia, aqui e no Ultramar, e que, através dos Estados-Maiores Generais, impõem a sua vontade nas frentes de combate e na retaguarda, com a restante colaboração das po­lícias militar e política.
Por tudo isto, disse o Cap. MELO ANTUNES, o problema da democratização das nossas Forças Armadas, só será possível com a queda do actual regime. No pé em que as coisas se encontram presentemente é praticamente impossível qualquer tentativa revolucionária de carácter militar. Estamos em guerra, e as Forças Armadas batem-se no Ultramar no cumprimento dos seus deveres.
No momento presente compete aos dirigentes civis prepa­rar o terreno na retaguarda, através duma adequada e eficiente propaganda e da politização das massas, especialmente do sector estu­dantil, no sentido duma futura solução política para a guerra colo­nial, embora isso implique a queda do Governo e do regime de Marcello Caetano.
Para que seja possível a democratização do nosso Exército é indispensável derrubar o regime, eliminar os generais pró-Salazaristas, agora ligados ao Chefe do Governo, bem como as polícias.
As afirmações do Cap. ANTUNES foram aplaudidas por toda a assistência, bastante reduzida e seleccionada, cerca de 38 pes­soas, na sua maioria dirigentes da Cooperativa e suas famílias.
Tomaram parte activa no colóquio, além do Cap. ANTUNES, o FERNANDO ONETO e o Dr. PEDRO COELHO, que apoiaram entusiastica­mente as suas afirmações, louvando a sua coragem ao abordar tão grave e melindroso assunto. No final foi pedida a maior discrição da parte dos assistentes ao colóquio, quanto às afirmações do Cap. AN­TUNES, pois trata-se dum oficial no activo e sujeito a grandes san­ções, se as suas afirmações forem conhecidas dos seus superiores.

Lisboa, 26 de Junho de 1970”.

Texto de uma informação enviada ao ministro da Defesa, Sá Viana Rebelo, e que mereceu o seguinte despacho: “Arquivar em secreto”.
Fonte: Arquivo da Defesa Nacional, Caixa 7670, Documento 3».
Nota: sublinhados e maiúsculas do original.

5 comentários:

  1. Fernando António dos Reis de Deus25 de junho de 2012 às 12:15

    Muito importante para a compreensão e génese do
    25 de ABRIL de 1974.Importa dar a maior divulgação às actuais gerações afim de compreenderem a actual situação politica. Desfazer
    equívocos e interpretações maliciosas sobre a nossa história recente.Tão mal conhecida, digo mesmo, sonegada ao conhecimento público.

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  2. Com todo o respeito não concordo com os termos (geuerras justa ou injustas)saõ todas injustas, e como é sabido uma grande parte de Sr. Majores Sr.s Coronéis encheran-se tal qual Fátimas , Loureiros etc

    Ex Combatente 24 meses a dormir no mato

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  3. É de louvar a intervenção do Melo Antunes que foi um grande insensitivo, para o desfecho do 25 de Abril.... mas não podemos esquecer quais as suas posições politicas que culminaram com o 25 de Novembro, em que também aqui teve um papel predominante para acabar com o que seria o verdadeiro poder popular, não podemos ser cegos e ver só as partes positivas do dito, por aqui me fico para não ter que tecer muita coisa que se passou e que todos nós sabemos os que estivemos no terreno....

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  4. nada a declarar do senhor Melo Antunes se foi bom militar foi um péssimo politico.porque deixou as velhas raposas tomarem o poder que nunca o mereceram que foi pcp e ps ai Portugal.foi para o vinagre fui

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  5. Muito importante para confirmar a influência dos oficiais do quadro permanente na guerra do ultramar. Para além das afirmações do, na altura capitão de Inf, Melo Antunes sobre a ação dos oficiais-generais junto dos decisores políticos importa para a história averiguar quando todos morrermos (tenho 76 anos)que o "barco" influenciador tb tinha subalternos, capitães e oficiais superiores, do quadro permanente. O conjunto ajudou a ditadura, mas tb importa salientar que em especial subalternos, capitães e majores do QP fizeram o "25 de Abril" sós, os políticos apareceram logo a seguir, mas importa recordar que a Revolução se deve aos militares que colaboraram na Guerra do Ultramar (Índia Portuguesa, 1954 a 1961 e Africa até 1974).
    Parabéns aos coronéis Matos Gomes e Aniceto Afonso, continuem.
    António Pena,
    coronel TecnManTm, SitRef.

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