segunda-feira, 9 de abril de 2012

La Lys, A Batalha Portuguesa


No dia 9 de Abril de 1918, faz hoje 94 anos, a Alemanha levou a efeito uma grande operação sobre a frente do Corpo Expedicionário Português (C.E.P.), na região da Flandres, acção que ficou para a história portuguesa como a Batalha de La Lys. As baixas portuguesas foram muito altas, com 398 mortos e 6585 prisioneiros.

Analisando a situação que a força portuguesa viveu, podemos dizer que as condições de permanência do C.E.P. na frente se degradaram muito no início de 1918. Por um lado, as tropas continuavam nas linhas da frente quase sem rotação, por outro a actividade militar na zona intensificou-se de forma gradual mas constantemente. O mês de Março foi extremamente penoso para as unidades portuguesas. O número de combates em que unidades portuguesas se viram envolvidas foi muito superior ao habitual. Houve combates em 2, 7, 9, 12 e 18 de Março, para além de pequenas escaramuças e contínuos bombardeamentos de artilharia.
O moral das tropas portuguesas diminuía à medida que se percebiam sinais de maior actividade nas linhas alemãs, que só podiam ser indícios da preparação de um ataque de maior escala. Os comandos portugueses aperceberam-se desta situação, mas o comando britânico manteve a ideia de que o ataque principal que as forças alemãs preparavam não seria na região de Armentières. Só nas vésperas do ataque o comando britânico determinou as mudanças que a situação impunha e que o novo acordo assinado com Portugal preconizava. Em 6 de Abril foi dada execução ao acordo. As tropas portuguesas receberam ordens para manterem na linha da frente apenas a 2ª Divisão, comandada por Gomes da Costa, passando para o comando do XI Corpo de Exército britânico. Na prática porém, a extensão da linha da frente manteve-se nos 12 km anteriores, sendo retirado um batalhão. Ou seja, a frente ficou com menos densidade de forças. O tempo também foi curto para consolidar as inevitáveis mudanças tácticas resultantes desta decisão unilateral do comando britânico.
Mas o pior estava para vir. Em visitas a 6 e 7 de Abril do comandante do XI Corpo, general Horne, ao comando da 2ª Divisão, as orientações foram no sentido de a Divisão consolidar a defesa da 2ª linha (linha B), com uma mensagem muito clara: “A Divisão tem de morrer na linha B”. Mas as notícias dos preparativos alemães e a constatação do nível moral e do estado físico das tropas portuguesas, levaram o comando britânico à decisão lógica, que uma prudente análise de situação já deveria ter aconselhado há bastante tempo. A 8 de Abril foi dada ordem para a substituição da 2ª Divisão por uma divisão inglesa, movimento que deveria iniciar-se a 9 de Abril. Era tarde e a decisão tardia desmoronou o moral das primeiras linhas portuguesas. Se a vontade de lutar e a disposição anímica era já extremamente baixa, a perspectiva de sair da frente anulou toda a capacidade de resistência e de comando. A situação só poderia conduzir a um desastre, se o ataque se realizasse exactamente nesse dia. Foi o que aconteceu.

São de destacar três depoimentos, que resumem o que então se passou, como testemunhas da época:

1. General Tamagnini de Abreu e Silva, comandante do C.E.P.:

“[Abril,] 9
“Aconteceu o que era de prever: um enorme desastre no sector guarnecido pela nossa divisão. Às 4.15 ouviu-se o primeiro tiro sobre St. Venant pela peça de longo alcance que há alguns dias estava calada. Depois disto mais onze (…)
O tiro às 4.15 parece ter sido um sinal para um bombardeamento terrível e certeiro em todo o sector. Bateram logo em começo os comandos de batalhão e brigada, cortando as comunicações telegráficas; depois, sem cessar, eram batidos os cruzamentos das estradas e as vias de acesso para a frente de forma a tornar perigosíssima e quase impossível a circulação dos agentes de ligação. Este bombardeamento durava ainda às 6h da [manhã], e era acompanhado pelo das áreas da retaguarda do sector.
Seguiu-se um forte ataque boche pela volta das 7 h da manhã, tendo os nossos soldados abandonado a 1ª (às 8 h) e a 2ª linhas (às 9 h) e entrincheirando-se na linha das Aldeias (…)

[Abril,] 10
Depois de almoçar vim para a minha nova residência. As notícias dos jornais dão os boches em Lavantie e Richebourg, mas as que me vieram directamente dão grande o desastre, mas sem vergonha completa para os nossos soldados. Ainda se salvou uma parte da honra do convento. Dizem que as Brigadas em 1ª linha e a artilharia fizeram o seu dever. Tivemos muitas baixas; calcula-se que perdemos 300 oficiais.

2. Douglas Haig, comandante da força britânica, escreveu:
“A preparação do inimigo para uma ofensiva neste sector central tinha sido concluída há algum tempo. O admirável e extenso sistema ferroviário tornou possível, com grande rapidez, a concentração de tropas necessárias para um ataque. As minhas forças neste sector não poderiam ser grandemente reduzidas.
Em consequência destes vários factores, a maior parte das divisões na linha de frente, e em particular a 40ª, 34ª, 25ª, 19ª e 9ª Divisões, as quais em 9 de Abril estavam na frente, entre o sector Português e o Canal Ypres-Comines, já tinham tomado parte na batalha do Sul. Deve considerar-se que, antes da batalha do norte se iniciar, quarenta e seis das minhas cinquenta e oito divisões, tinham estado empenhadas no sul.
No final de Março, no entanto, a parte norte da frente secou rapidamente sob a influência de uma Primavera muito quente, ficando em condições de sofrer um ataque mais cedo do que seria de esperar. Preparativos para apoiar a Divisão Portuguesa, que tinha estado continuamente em linha por um longo período e precisava descansar, foram feitos durante a primeira semana de Abril, e deveriam ter sido concluídos até à manhã do dia 10 de Abril. Entretanto, outras divisões, que tinham sido empenhadas na luta no Somme e que tinham sido retiradas para descansar e se reorganizarem, foram transferidas para a frente do Lys.
A persistência do bom tempo fora da estação e a secagem rápida do vale do Lys permitiu ao inimigo antecipar o ataque à 2ª Divisão Portuguesa.
Na noite de 9 de Abril, um invulgar bombardeamento pesado e prolongado, também com gás, foi iniciado ao longo de praticamente toda a frente de Armentières a Lens, cerca das 4,0 horas, do dia 9 de Abril.
O ataque do inimigo, em primeira instância foi lançado sobre a porção norte da frente do general Sir Horne, do Primeiro Exército.
Cerca das 7,0 horas, no dia 9 de Abril, na espessa neblina que tornou a observação impossível, o inimigo parece ter atacado pela esquerda, a brigada da esquerda da 2 ª Divisão Portuguesa em força e de ter quebrado as suas trincheiras. Poucos minutos depois, a área de ataque alargou-se para sul e para norte.
A comunicação com as divisões em linha foi difícil, mas durante a manhã, a situação ficou esclarecida, tornando-se evidente que um sério ataque estava em andamento na frente da 55a Divisão, da 2ª Divisão Portuguesa e da 40ª Divisão, desde o canal de La Bassé até ao Bosque Grenier.
Para o norte das posições da 55a Divisão, o ímpeto do ataque alemão submergiu as tropas portuguesas, e a progressão do inimigo foi tão rápido que as movimentações para cobrir as defesas da retaguarda deste sector com as tropas britânicas apenas puderam ser concluídas no limite do tempo.
A acção destas tropas, e mesmo de todas as divisões que se empenharam nos combates do Vale do Lys, foi notável, porque, como já foi salientado, praticamente a totalidade delas tinha vindo do campo de batalha do Somme, onde tinham sofrido gravemente e sido submetidas a uma grande tensão. Todas estas divisões, sem um descanso adequado e preenchido com jovens reforços, foram novamente atiradas apressadamente para a luta e, apesar das grandes desvantagens, conseguiram segurar o avanço de forças muito superiores”.

3. Paul von Hindenburg, comandante das forças da Alemanha, relatou o seguinte:
”No Inverno, a área do vale do rio Lys ficava inundada numa larga extensão, e na Primavera, não passava muitas vezes de um pântano, por semanas a fio - um verdadeiro horror para as tropas que estavam nas trincheiras nesta altura.
Era perfeitamente inaceitável pensar na realização de um ataque antes do vale do Lys se tornar transponível. Em circunstâncias normais de clima, só poderíamos esperar que o solo ficasse suficientemente seco, em meados de Abril.
Mas pensei que não seria possível esperar até essa altura para começar o combate decisivo no Ocidente. Tivemos de contar com as perspectivas de intervenção americana.
Não obstante estas objecções ao ataque, tínhamos o plano detalhado, pelo menos teoricamente.
Esta hipótese estava assente nos finais de Março. Logo que vimos que o nosso ataque a Ocidente era inevitável, decidimos iniciar as nossas operações na frente do Lys.
Uma pergunta dirigida ao Grupo de Exércitos do Príncipe Herdeiro Rupprecht, trouxe a resposta de que, graças à Primavera seca, o ataque em todo o vale do Lys se tornara viável.
Em 9 de Abril, aniversário da grande crise em Arras, as nossas tropas passaram das suas lamacentas trincheiras na frente do Lys para a frente de Armentières a La Bassée.
Claro que não foram transferidas por grandes movimentos, mas principalmente por pequenas destacamentos e colunas lentas, através do pântano.
Sob a protecção de nossa artilharia e morteiros de trincheira, eles conseguiram alcançar os seus postos rapidamente, apesar de todos os obstáculos naturais e artificiais, embora aparentemente nem os ingleses nem os portugueses acreditassem que isso fosse possível.
A maioria das tropas portuguesas deixou o campo de batalha em voo desenfreado (wild flight, na tradução inglesa), e de uma vez por todas retiraram-se da frente de combate.
É preciso reconhecer que a nossa exploração da surpresa e da fraqueza portuguesa, juntou-se aos mais sérios obstáculos relativos à natureza do terreno. Só com grande dificuldade alguns vagões de munições acompanharam a infantaria.
No entanto, o Lys foi atingido ainda de noite, tendo sido cruzado num ponto.
Em 10 de Abril Estaires caiu nas nossas mãos e ganhámos mais terreno a noroeste de Armentières. No mesmo dia a nossa frente de ataque estendeu-se para a região de Wytschaete.
O dia seguinte trouxe-nos mais sucessos e novas esperanças. Armentières foi evacuado pelo inimigo e capturámos Merville.
A partir de então a progressão tornou-se mais lenta. Depressa se transformou numa paragem, no flanco esquerdo, enquanto o ataque em direcção a Hazebrouck foi lentamente paralisando”.

Sem comentários:

Enviar um comentário