sábado, 7 de julho de 2012

Guerra Colonial, Eles desconheciam?


Com data de 8 de Julho de 1968, faz hoje 44 anos, o Estado-Maior do Exército elaborou um memorando com o título “O Moral do Exército”, baseado num conjunto de documentos provenientes do Ultramar e das unidades de instrução, com conclusões muito pessimistas, em especial em relação aos quadros permanentes.
O memorando, na sequência de outras informações já produzidas, procurava determinar os factores que afectavam o moral das tropas, por forma a encontrarem-se soluções. Começando por referir um inquérito de opinião realizado no Instituto de Altos Estudos Militares no ano anterior, realça que, nessa altura se podia considerar o moral do Exército ainda razoável, “com tendência para baixar rapidamente”, atribuindo os seguintes níveis a esse estado moral:

Oficiais do QP ………………………. Fraco
Sargentos do QP …………………. Muito fraco
Oficiais do QC..……………………. Regular
Sargentos do QC …. ……………… Regular
Praças …………………….……………. Bom

A consulta de novos relatórios e contactos pessoais levavam à conclusão que não existiam melhorias na situação.
De facto, o memorando apontava sinais inequívocos desse estado de espírito:
a.         “Nota-se um aumento de pedidos de exoneração (e de passagem à licença ilimitada)”.
b.         “Recebem-se frequentemente informações pessoais do estado de desalento dos quadros”.
c.         “Grassa entre os QP uma maledicência sistemática que denota acentuado grau de desmoralização”.
d.         “Os relatórios de acção psicológica expõem uma situação que poderemos considerar de grave”.
e.         Nota-se, na Guiné, que o inimigo tem ultimamente capturado grupos de militares do Exército relativamente significativos – 11 em Abril e 8 em Maio”.

O memorando passa depois a enumerar “os factores deste clima psicológico”:
a. “Cansaço físico e psicológico provocado pela luta no Ultramar com sucessivas mobilizações”.
b. “Problema económico, provocado pela situação financeira e faltas de medidas de apoio e protecção aos militares e família”.
c. “Descrença quanto ao êxito da luta no Ultramar, em face do progresso da subversão. Este descrédito parece particularmente sensível entre os capitães do QP”.
d. “Influência do desinteresse de grande parte da população, que dá ideia de desistência, de aceitação tácita da derrota”.

Em anexo ao memorando procura-se analisar cada um dos factores indicados, sendo de salientar as explicações relacionadas com a descrença e com o desinteresse da população.
Relativamente à “Descrença quanto ao êxito da luta no Ultramar” é referido da seguinte forma: “Os militares do QP, designadamente os oficiais que denotam uma mentalidade amadurecida pelos sacrifícios e preocupações da guerra e uma elevada noção do cumprimento do dever conscientes e realistas, começam a sentir que os acontecimentos podem seguir um rumo que tornará improfícuo todo o seu esforço. Tal ideia causa frustração e desânimo, conduz à lassidão e podendo anular todo o entusiasmo, que é fonte de eficiência das forças militares”.
Quanto à “Incompreensão por grande parte da população em relação à luta do Ultramar”, os termos utilizados são os seguintes: “Em muitos dos nossos oficiais do QP há o convencimento de que o seu sacrifício não é reconhecido pela grande massa da população, que se mantém apática e indiferente aos problemas da guerra. Considera-se que este alheamento da população se deve fundamentalmente à falta de informação, ao nível nacional, acerca do que se passa no Ultramar e dos problemas do país em geral. Afastada dos acontecimentos, boa parte da opinião pública condena as Forças Armadas por não compreender em que se consomem tão avultados recursos económicos (…) A guerra é impopular porque a Nação não está mentalizada para ela. Se houver que pedir mais sacrifícios, poderá a Nação não corresponder, por não reconhecer a sua necessidade”.

Pode hoje dizer-se que, com seis anos de antecipação, estavam apontadas as causas que iriam movimentar os militares para o confronto com o poder político – baixo moral, especialmente entre os capitães, incompreensão da população, impopularidade da guerra. Nem os altos comandos militares, nem o poder político demonstraram estar à altura de gerir com sabedoria a situação, após sete anos de operações militares em África, e não pode dizer-se que não tivessem informações da realidade.
Ver: Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, Os Anos da Guerra Colonial. Porto, Quidnovi, 2010, pp. 455-456.

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