No dia 1 de
Julho de 1970, faz hoje 42 anos, o Papa Paulo VI recebeu em audiência os
dirigentes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas, Agostinho
Neto, Amílcar Cabral e Marcelino dos Santos.
A atitude do
Papa Paulo VI ao receber em audiência os representantes dos movimentos de
libertação das colónias portuguesas incentivou aqueles católicos que duvidavam
da justeza das posições do governo a contestarem a hierarquia da igreja
católica portuguesa, em geral colaborante com o regime e a sua política de
continuidade da guerra. Foram poucos os casos de resistência pública, como
aconteceu com as dissensões dos padres José da Felicidade Alves e Mário de
Oliveira.
A condenação
da guerra foi feita, entre outros momentos, nas celebrações do Dia Mundial da
Paz de 1969, nos acontecimentos da capela do Rato de 1972, nos debates que
tiveram lugar em 1973 na igreja paroquial de Olivais-Sul, na Assembleia
Comunitária de Almada e em outros locais.
A Igreja
Católica teve um papel decisivo na ascensão e na queda do colonialismo
português durante o Estado Novo (1926-1974), pois eram confluentes os seus
objectivos. De facto a defesa das colónias pelo Estado Português estava
associada a um modelo civilizacional proposto e garantido pela Igreja Católica
através da sua evangelização. O símbolo
mais claro da aliança entre o Estado Novo e a Igreja Católica foi o Acordo
Missionário estabelecido entre Portugal e a Santa Sé, assinado no mesmo dia da
Concordata, a 7 de Maio de 1940 e que vigorou enquanto se manteve a soberania
portuguesa em África.
O
colonialismo português necessitava das missões católicas para contrariar a
acção das missões protestantes, quase exclusivamente estrangeiras e que, embora
fossem vistas como uma ameaça “desnacionalizadora”, não podiam ser impedidas de
se estabelecerem por força do Acto da Conferência de Berlim que garantia, desde
1884-85, a liberdade de instalação de missionários. Por este
conjunto de razões, as missões católicas foram, até ao começo dos anos 60 do
século XX, a presença mais visível da soberania portuguesa em grande parte de
vastos territórios coloniais, ignorados pela administração pública e pelas
empresas portuguesas. A Igreja cobrava ao Estado o serviço missionário,
fazendo-o porque, no fundo, também se entendia ela própria como elemento
fundador e estruturante do Estado.
O começo das
independências das colónias europeias, após a Segunda Guerra Mundial, não
alterou a posição de apoio da Igreja Católica em Portugal à continuação da
soberania portuguesa sobre os territórios ultramarinos. A 13 de Janeiro de
1961, dois meses antes da eclosão do conflito em Angola, uma nota do Episcopado
da Metrópole, redigida como habitualmente pelo Cardeal Cerejeira, afirmava: “a
guarda e conservação e desenvolvimento da herança, que todo o Portugal
considera ter-lhe sido confiada pela Providência, está no ‘sentido’ da sua
história, tem a significação e valor de serviço ao homem, à família, à
sociedade, à ordem, à civilização, ao mundo”.
O episcopado
português deixou claro, desde o início da guerra, que não aceitaria qualquer
contestação católica à política africana do Governo.
Apesar da
posição oficial da hierarquia, a questão colonial despertou cedo alguma
sensibilidade particular nas minoritárias correntes católicas oposicionistas.
Quando, a 18
de Outubro de 1964, o Papa Paulo VI anunciou que iria presidir a um congresso
eucarístico em Bombaim, Franco Nogueira, então chefe da diplomacia portuguesa,
declarou a visita um “agravo gratuito” com argumentos religiosos, pois a razão
da ofensa de Portugal era devida ao facto de Bombaim se situar na Índia que,
anos antes, tinha invadido a cristianíssima Goa onde se encontravam as
relíquias de S. Francisco Xavier. A Igreja Católica, através da sua hierarquia
e dos seus órgãos de comunicação, como os jornais Novidades e Ordem, subscreveu
este argumento.
O
desenvolvimento de acções anticoloniais católicas em Portugal acentuou-se
depois da conclusão do Concílio Vaticano II.
O começo das
hostilidades em Angola, em Março de 1961, foi seguido de perseguições a Igrejas
protestantes - consideradas aliadas dos “terroristas” - e da repressão do clero
africano da Arquidiocese de Luanda. O vigário geral, Manuel Mendes das Neves,
foi preso (e morrerá, exilado em Portugal, a 11 de Dezembro de 1966). Os
restantes padres foram desterrados para Portugal, entre eles os padres
Alexandre do Nascimento (que foi cardeal de Luanda após a independência) e
Joaquim Pinto de Andrade.
A evolução
em Moçambique foi diferente da de Angola. Os conflitos no interior da Igreja
foram mais agudos pois foi mais violenta a guerra, principalmente a partir de
1970. Por outro lado, era mais fraca a presença portuguesa tanto na sociedade
como na Igreja e eram em maior número os missionários estrangeiros,
predispostos para sentirem os pontos fracos do nacionalismo missionário
português.
Moçambique
foi o único episcopado de matriz portuguesa que não manteve a regra da unidade
pública. Uma facção chefiada pelo arcebispo de Lourenço Marques, D. Custódio
Alvim Pereira, defendia expressamente a soberania portuguesa. Uma outra, mais
numerosa e sobretudo mais activa, cujo expoente era o bispo de Nampula, D.
Manuel Vieira Pinto, atacava abertamente a identificação da Igreja com Portugal
e preparava-se para defender o direito à independência. D. Manuel
Vieira Pinto herdara a defesa das posições autonomistas e contestatárias do
bispo da Beira, D. Sebastião Soares de Resende, falecido em 1967. O Dia
Mundial da Paz de 1972 foi comemorado em Moçambique com manifestações de
contestação por parte do clero. Do púlpito da catedral de Nampula, o bispo D.
Manuel Vieira Pinto criticou o governo. Nas celebrações no Macúti, uma paróquia
da Beira, o padre Joaquim Teles de Sampaio denunciou o massacre de Mucumbura,
um povoado próximo de Tete (Novembro de 1971). Será preso a 14 de Janeiro, bem
como o seu coadjutor, padre Fernando Mendes. Neste mesmo mês, foram presos os
Padres de Burgos, espanhóis, devido à denúncia do referido massacre. Os excessos
da guerra feriram fundo a consciência católica em Moçambique. Foi a Igreja
Católica quem tomou a iniciativa de denunciar os comportamentos condenáveis das
Forças Armadas portuguesas. O massacre de Wiryamu, ocorrido na zona de Tete, em
Dezembro de 1972, foi divulgado por um sacerdote inglês, o jesuíta Adrian
Hastings, em artigo publicado no The Times, a 10 de Julho de 1973, uma denúncia
que ensombrou completamente a visita oficial que Marcelo Caetano fazia então à
capital britânica.
O
colonialismo português esteve também no centro do agravamento das relações
entre o governo de Lisboa e a Santa Sé. A 5 de Julho de 1969, a Frelimo (Uria
Simango), o MPLA (Agostinho Neto) e o PAIGC (Amílcar Cabral), tinham dirigido
uma carta aberta ao Simpósio dos Bispos Africanos: acusavam a Igreja Católica
romana de “apoiar explicitamente” a guerra feita por Portugal e condicionavam a
“atitude futura” dos seus povos face à Igreja à “posição que a Igreja hoje
tomar”. Era difícil falar mais alto e ser mais claro.
A audiência de
1 de Julho de Paulo VI provocou uma tempestade nas relações entre Lisboa e a
Santa Sé. A ruptura esteve iminente e só não ocorreu porque o Vaticano declarou
que aqueles dirigentes foram recebidos na qualidade de cristãos e o governo
português preferiu aceitar esta pia justificação.
O
colonialismo contribuiu decisivamente para quebrar a aliança institucional
entre a Administração Pública, as Forças Armadas e a Igreja Católica que
permitira séculos de relações desiguais, baseadas na exploração, mas, apesar
dessa cumplicidade, a obra das missões foi assinalável nos campos do ensino, da
saúde e da assistência.
Ver: Aniceto
Afonso e Carlos de Matos Gomes, Os Anos da Guerra Colonial. Porto: Quidnovi,
2010, pp. 559-563.